Não há dúvidas quanto a 2022 estar sendo um ano promissor para os fãs de filmes de terror. Dentre os títulos que vem chamando atenção, temos Noites Brutais, longa que marca a estreia de Zach Cregger como diretor no gênero. Um ponto notável é que Cregger é um ator e cineasta vindo da comédia, mas aqui demonstra um empolgante domínio e ambição para contar uma história de temática urgente, numa abordagem memorável, divertida e imprevisível. Em linhas de comparação, ele faz algo parecido a Parker Finn no assertivo Sorria: um filme de terror familiar, porém, criativo o suficiente para não ser o mais do mesmo.
Se torna inevitável ignorar as expectativas quando um filme chega silenciosamente e arrebata fervorosos elogios, e nesse sentido, Barbarian vale o saldo positivo que tem rendido genuinamente. Embora esse atributo seja tentador, Cregger se mostra disposto a desafiar até o último segundo as expectações em torno da trama. E bem, antes de percebermos haver uma familiaridade nela, o trabalho de som orquestrado por Anna Drubich é usado de cara para prender a atenção, denotando um chamativo para um começo: o cuidado técnico.
Esse aspecto toma mais forma na movimentação da câmera que atenua a constante tensão que a protagonista Tess (Georgina Campbell), se encontra: ela alugou um Airbnb, mas não encontra as chaves que deveriam estar numa caixa protegida na entrada. Mas ao olhar seu entorno, ela percebe que toda a vizinhança está escura, exceto pelas luzes da casa que alugou, e esse é um dos primeiros detalhes para a alegoria construída por Cregger. A situação se complica quando é revelado que outro inquilino, Keith (Bill Skarsgård) alugou a mesma residência.
Nessa configuração é como Cregger começa pavimentar o seu escopo, e a direção é ágil em transmitir uma constante hesitação e nervosismo ao que Tess se vê aceitar o convite de entrar na casa a fim de resolver a situação. Enquanto a sensação de inquietude para essa dinâmica entre dois desconhecidos se destaca, o roteiro debate como os homens têm permissão para fazerem de tudo e as mulheres ouvem que precisam ser cautelosas. A maneira com a qual o roteiro propõe essa discussão é bastante inteligente, afinal, temos aqui um suspense psicológico utilizando um caminho comum do gênero para criar tensão: a mulher em situação de perigo.
A certeza de que Barbarian possui um roteiro afiado só fica mais claro conforme o filme brinca com as expectativas e a estrutura narrativa, e Cregger conduz isso de maneira fugaz e divertida, subvertendo os tropos do gênero com escolhas e quebras cada vez mais absurdas. Mas vejamos que, apesar da trama depender da suspensão de descrença para enxergar suas alegorias, os diálogos estão sempre provocando reflexões e expondo quem são os personagens. Porém, nessa dança, que leva o telespectador para lugares e sensações inesperadas, um mistério não deixa de incomodar: o que é o bairro de Brightmoor? Longe da escuridão noturna do início, percebemos que a casa endereçada como Barbary 476 é a única da vizinhança que está em perfeito estado; a pintura, o acabamento, diferente da forma precária e de aparente abandono da localidade.
Ter essa concepção relaciona-se com a certeira conversa entre Tess e Keith sobre os papéis que os homens desempenham socialmente, comparado às mulheres. Notemos como que, da personalidade cautelosa, independente e que estava dando um basta a um relacionamento tóxico, Tess vai perdendo essas convicções à medida que o terror entra em cena e ela passa a se colocar em situações perigosas na tentativa de ajudar os homens que surgem no caminho. O primeiro, Keith, é uma incógnita que se tornou mais um elemento de virada do roteiro. Embora a chegada de AJ (Justin Long), o segundo homem lembre bastante os casos que culminaram no #MeToo, seu personagem representa o que há de mais abominável e terrível da masculinidade, exemplo de homens que praticam atrocidades e buscam sair impunes.
É só no terceiro exemplo que se entende a isolada vizinhança, sendo a casa uma representação para como o patriarcado e a misoginia podem ser normalizadas — o que justifica como apenas a residência 476 é a única preservada num lugar decadente, visto todo o terror vivido por mulheres ao longo dos anos — e o bairro um exemplo de como a violência passa a ser tratada em localidades precárias, e nesse ponto o foco do filme é evidenciar a dificuldade das mulheres em denunciar e serem ouvidas. Ao jogar com tantos elementos, o que termina favorecendo as quebras de ritmo é o contato de Cregger com a comédia, o que ele insere na maneira que a montagem contraria as expectativas e breves toques de humor ácido.
Em suma, Barbarian é um filme assustador e que diverte pela argilosa narrativa, porém, seria interessante ver mais desenvolvimento além da maneira ágil que imprime suas concepções. O resultado é um conto habilidoso de terror, que se diferencia pela execução em meio a tantos absurdos. Um acerto inegável está na trilha inquietante de Drubich e na cinematografia sufocante e claustrofóbica de Zach Kuperstein, que demonstra um talento imersivo e funcional toda vez que busca transmitir o terror com hábeis enquadramentos e movimentação.
Noites Brutais (Barbarian – EUA, 2022)
Direção: Zach Cregger
Roteiro: Zach Cregger
Elenco: Georgina Campbell, Bill Skarsgård, Justin Long, Matthew Patrick Davis, Richard Blake, Sophie Sörensen, Sara Paxton
Duração: 102 min.