Para compreender o presente é preciso entender o passado. Se algum teórico já disse isso, não lembro, mas ando com esta máxima em mente desde que decidi tomar Drácula, de Bram Stoker, como material de estudo. Engraçado como este mito se faz presente ainda muito intensamente na cultura contemporânea, mas possui um processo de formação tão denso que muitos de seus leitores e admiradores sequer imaginam. Pois, foi no interesse de entender mais a formatação do mito deste personagem que reverberou ao longo do século XX e ainda ecoa na contemporaneidade, que descobri muito mais informações que imaginava. Lido há mais de quinze anos, era hora de retomar o universo do escritor irlandês e de sua obra-prima. Entre os achados, me deparei com esta publicação, Nobreza de Sangue: Vlad & Báthory, escrito por Mário Coutinho, um material introdutório para o entendimento de duas figuras histórias sangrentas ressoantes no clássico romance de 1897: Vlad Tepes e a Condessa de Sangue, nobres que marcaram as suas respectivas épocas e deixaram um legado violento.
Ao longo de suas 128 páginas assertivamente ilustradas, há um tom se sensacionalismo na abordagem das biografias destes nobres, mas este recurso é algo que não atrapalha a qualidade do texto, cuidadoso em manter o tom didático para permitir leitores de diversos níveis. Dividido em três partes, o livro começa com uma breve apresentação do autor, dando também os créditos ao trabalho de design de Ana Milani para a composição da capa, algo que será tratado brevemente mais adiante. A Condessa Elizabeth Báthory é apresentada na segunda parte, por meio de 10 capítulos, seguida de Vlad, o Empalador, com 08 unidades de delineamento da sua saga. O prefácio flerta com algo muito importante, por isso, não pode deixar de ser lido em sua completude: tanto a condessa quanto o empalador são figuras próprias de suas respectivas épocas, por isso, não devem ser compreendidos com base em nossos códigos vigentes hoje.
Dito isso, começamos pela nobre que tinha em seu histórico, torturas jovens para saciar a sua sede de violência. Oriunda de uma família poderosa, Elizabeth Báthory era a típica mulher da nobreza, limitada em seu poder por ser parte de um mundo ainda focado no patriarcado e nas missões consideradas biológicas, isto é, a procriação e submissão ao marido. Casou-se num castelo em 1575 e teve cinco filhos, sendo que apenas três deles conseguiram chegar à fase adulta. Supostamente influenciada por uma tia de vida libertina, Elizabeth Báthory iniciaria seus rituais de crueldade apenas mais adiante. Como em sua época as modalidades de comunicação eram outras, demorou para que o padrão de sangue da condessa fosse descoberto. Não apenas em seu castelo, mas em viagens e demais situações do cotidiano, ela sacrificava cruelmente jovens moças, culminando no uso do sangue destas vítimas para rituais que, segundo os historiadores, iriam promover o seu rejuvenescimento, mantendo-a bela, em detrimento da morte alheia. Emparedada depois do seu julgamento, Báthory deixou um rastro de morte e dor.
Na terceira parte, o autor radiografa o empalador Vlad Tepes, o Príncipe da Valáquia que conhecemos graficamente pelas adaptações de Drácula para o cinema, em especial, a versão de Francis Ford Coppola, de 1992. Filho de Vlad II Dracul, um homem proveniente de uma “sociedade secreta” intitulada Os Filhos do Dragão, um dos influenciadores do pastiche de Bram Stoker foi um jovem treinado para ser um guerreiro. Integrou frentes da batalha galgadas pelos combates territoriais da época. Conforme descrito pelo autor, Vlad viveu como um espartano, cotidianamente levado a se exercitar. Além disso, antes mesmo do clássico político O Príncipe, de Maquiavel, o empalador já tinha sido introduzido, salvaguardadas as suas devidas proporções, a uma disciplina que hoje chamaríamos de ciência política. Assim, ascendeu ao poder, habitou fortalezas, esteve em frentes de batalha e deixou seu nome como uma figura que bebia o sangue de suas vítimas e as deixavam empaladas em estacas para causar temor nas redondezas, freando as ações de invasores inimigos. Desta maneira, consta que o irlandês Bram Stoker pesquisou a trajetória deste violento nome da história para compor o icônico Conde Drácula.
Publicado pela mencionada editora Pandorga em 2022, Nobreza de Sangue: Vlad & Báthory é um livro dinâmico, leve, sucinto e segue por uma abordagem biográfica distanciada do excesso de citações e voltas, tendo em vista abocanhar o público contemporâneo, geralmente contaminado pela brevidade dos textos que circulam na mídia para consumo. Com um belíssimo trabalho editorial, as páginas são devidamente diagramadas, a capa dura fornece um elemento de luxo para o conteúdo simples, tal como as ilustrações. Além disso, o processo de bastidores também é radiografado, com um pequeno capítulo introdutório que detalha as peculiaridades na escolha das fontes, imagens e demais adornos da publicação, algo pouco comum, mas interessante. Rico em imagens e organizado de maneira a tornar o ato de leitura prazeroso, este livro funciona bem como recurso introdutório ao universo de personagens históricos que tiveram alguma conexão, mesmo que breve, com a formação de um dos personagens mais icônicos da literatura e, por sua vez, das adaptações cinematográficas: Drácula, o mitológico vampiro de Bram Stoker.
Nobreza de Sangue: Vlad & Bathory (Brasil, 2022)
Autoria: Mario Coutinho
Editora: Editora Pandorga
Páginas: 128