Não é fácil a missão de falar sobre o complexo No existen treinta y seis maneras de mostrar cómo un hombre se sube a un caballo, mas assumo o risco de fracassar neste texto porque acho que é um filme com um tema muito caro a mim e merece ser tanto encarado (como crítico) quanto divulgado (para o público). Explicando do que se trata, é uma obra de uma hora, que se divide em duas partes. Na primeira, há uma espécie de grande colagem (vale ressaltar o nome da montadora Malena Solar) de momentos da filmografia de Raoul Walsh (diretor da Hollywood Clássica), que se subdivide em dois padrões: em um, todos os seus personagens montando e descendo de cavalos; noutro, personagens atravessando portas.
Após isso, a segunda parte do longa não só dá a explicação do que vimos anteriormente como abre uma investigação: aparentemente, Walsh teria dito a frase que leva o título da produção, no contexto de que ele se referia como os novos cineastas queriam filmar de maneira complicada demais, quando na verdade Cinema é simples demais. Porém, dúvidas surgem quanto a origem dessa fala (se ela de fato foi dita por Walsh) e, na pesquisa, descobre-se até outras versões similares com pequenas mudanças, como o número usado (não trinta e seis, mas cinco), além do objeto de exemplo (não era sobre cavalos, mas sim sobre portas). Assim, uma voz em off, com uma tela preta no fundo (raramente interrompida por stills de revistas ou fotos), passa a investigar a origem dessa citação.
O filme do argentino Nicolás Zukerfeld não deixa de ser um grande ensaio irônico sobre Cinema (além de homenagem), com foco específico na cinefilia e crítica especializada. Afinal, a busca obsessiva pela origem exata da frase dita por Walsh se transforma em um grande name dropping de renomadas revistas e críticos de cinema que teriam utilizado a frase, além do caráter prolixo da busca. Ora, não é justamente isso que muitas vezes os próprios críticos de Cinema fazem? Se perdem (e se importam mais) nas próprias referências autorais, abandonando o objeto fílmico em si. Não à toa, trata-se de uma investigação que ocorre com a tela preta, pois é justamente um movimento de esquecimento do Cinema. Não só isso, como também a própria complexidade, meticulosidade e perfeccionismo desta investigação evidencia um óbvio contraste com o fazer Cinema, que deve ser o mais simples possível (conclusão essa que é exposta pela voz em off ao final).
Ou seja, para mostrar o quão simples o Cinema pode ser, paradoxalmente, Zukerfeld faz um filme que envolve uma investigação complexa e fútil. É um risco calculado que certamente vai afastar alguns espectadores que enxergarão uma contradição nesta intenção que tira o impacto da obra. Comigo, pelo menos, me fascinou muito este tipo de humor sutil que vai sendo proporcionado pelas próprias frustrações diante das respostas mais absurdas ou da falta delas durante a pesquisa (como descobrir que “trinta e seis” em francês é uma expressão para “muito”).
Fora isso, ao pensar na mise-en-scène dos dois capítulos, o exercício formal não poderia ser mais interessante. Ainda que Zukerfeld só ache a “resposta” de sua pergunta no segundo final, elas já estavam o tempo todo ali. Certamente, a descoberta não poderia estar numa tela preta (anti-cinema), na narração em off (pois cinema é primordialmente imagem) e nem nas citações soltas de diversos de discursos de autoridade, mas, obviamente, na própria imagem em si. Durante a meia hora em que se vê os personagens de Hawks passando por portas ou montando em cavalos, o Cinema está desnudado e fadado a uma repetição mecânica dos mais simples gestos que acabam por revelar — pelo movimento, pela montagem — mais do que qualquer palavra dita. No fim das contas, cinema é, simplesmente, aquilo que se vê (para o espectador) e o apontar de uma câmera (para o realizador). Nada mais.
No existen treinta y seis maneras de mostrar cómo un hombre se sube a un caballo (There Are Not Thirty-Six Ways of Showing a Man Getting on a Horse, 2020) — EUA
Diretor: Nicolás Zukerfeld
Roteiro: Nicolás Zukerfeld, Malena Solarz
Elenco: John Wayne, Errol Flynn, Ida Lupino, James Cagney
Duração: 63 minutos.