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Crítica | No Calor da Noite (1967)

por Ritter Fan
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Eles me chamam de SENHOR Tibbs!
– Tibbs, Virgil

Em meio ao calor úmido da cidadezinha fictícia de Sparta, no Mississipi (filmada na cidadezinha real de Sparta, em Illinois), o negro “vestido de branco” Virgil Tibbs é preso sob suspeita de assassinato unicamente por ser a única pessoa “de cor” em local em tese suspeito em uma região onde o racismo escorre de cada poro e ecoa em cada palavra. Seguindo silencioso para a delegacia, onde o chefe de polícia, feliz com a resolução quase instantânea do crime – já que é óbvio que foi o negro que matou a vítima branca – Tibbs então revela que é um policial da Filadélfia de passagem por ali em razão de uma visita à sua mãe.

Não existem dúvidas em No Calor da Noite. Não existem nuances sobre o racismo ou hesitação em tratar o racismo. Em plenos anos 60, no ponto alto do caldeirão racial que foi – e é – o movimento de direitos civis nos EUA, um filme como esse não só ter sido lançado, como ter obtido sucesso avassalador (que gerou não uma, mas duas continuações em 1970 e 1971, além de uma longeva série de TV) e, mais ainda, ter sido indicado a sete estatuetas do Oscar e tendo levado cinco, inclusive a de Melhor Filme, é uma vitória impressionante que merece ser reconhecida para além de suas qualidades intrínsecas.

Tibbs, vivido de maneira elegante por Sidney Poitier quatro anos depois de seu trabalho em Uma Voz nas Sombras que lhe valeu o Oscar de Melhor Ator e no mesmo ano do tematicamente semelhante Adivinhe Quem Vem para Jantar (que também concorreu ao Oscar de Melhor Filme), não é um homem de movimentos e atitudes bruscas que evidenciam sua raiva interior. Muito ao contrário, Tibbs é a calma em pessoa, mas uma calma falsa que Poitier revela ser assim por seus olhares, por suas reações faciais às situações mais terríveis que ele é exposto e não exatamente esfriam quando ele é revelado não só como policial, mas também como o maior especialista em homicídios de sua cidade, o que o leva, muito a contragosto, a permanecer em Sparta para ajudar a incompetente força policial local a resolver o misterioso crime.

Muito ao contrário, a cunha racial é cravada ainda mais profundamente quando os conhecimentos de Tibbs são empregados em deduções até óbvias que os caipiras brancos que deveriam saber fazer seu trabalho não só não captam, como respondem com raiva e desdém. Sim, é bem verdade que, em Sparta, pouco ou nada de tão grave acontece, mas a incompetência policial ultrapassa qualquer nível de razoabilidade e todas as atitudes de Tibbs, por mais simples que pareçam, literalmente jogam luz na mais completa boçalidade local.

Mas o “whodunit” procedimental, ou o mistério sobre a morte do industrial Phillip Colbert que há pouco tempo passara a investir fortemente na cidade, não é o foco da narrativa. Na verdade, esse aspecto do roteiro é simplório, com a investigação de Tibbs repleta de achismos e de conveniências que não funcionariam bem se o filme fosse só isso. O que realmente interessa é como o caminho investigativo liderado por um afro-americano em uma cidade em que os negros só podem ser subservientes mexe com os habitantes locais e força uma relação hesitante e desconcertante de buddy cop entre Tibbs e o chefe de polícia Bill Gillespie, vivido espetacularmente por Rod Steiger, que, como de costume, desaparece no papel.

Sofrendo xingamentos de todos os lados e agressões físicas de um grupo de jovens caipiras com direito a carros com placas da bandeira que eles acham que era dos Confederados – grupo esse que tem uma entrada um tanto aleatória na trama e não é bem resolvido, por sinal – Tibbs usa sua expertise não só para resolver o crime como para dar uma lição em todos, ainda que seu objetivo maior seja sair daquela sufocante cidade o mais rapidamente possível. Nesse contexto, a ação é rápida e não perde tempo com minúcias, com Norman Jewison usando muito mais o visual do que o roteiro de Stirling Silliphant, por sua vez baseado em romance de John Ball de dois anos antes, para impulsionar a narrativa. Nesse cenário, a fotografia quente de Haskell Wexler (Quem Tem Medo de Virgina Woolf?, Um Estranho no Ninho) é chave para passar o desconforto geral e a opressão do lugar, com muito cuidado, pela primeira vez que se tem notícia na Sétima Arte depois da adoção de cores, com a iluminação da pele escura de um afrodescendente, evitando o brilho excessivo que tende a esmaecer os detalhes principalmente do rosto.

No Calor da Noite é um filme que, em um mundo ideal, não seria realmente nada espetacular não fosse os inegáveis destaques para as atuações de Poitier e Steiger. Mas, inserido em seu contexto histórico e considerando a forma direta, sem firulas e visualmente chocante com que aborda os horrores do racismo, ele merece todo o destaque possível, especialmente sabendo que o vemos acontecer em Sparta repete-se, de uma forma ou de outra, com maior ou menor intensidade, praticamente em todo lugar mesmo depois de tantas décadas.

No Calor da Noite (In the Heat of the Night, EUA – 1967)
Direção: Norman Jewison
Roteiro: Stirling Silliphant (baseado em romance de John Ball)
Elenco: Sidney Poitier, Rod Steiger, Warren Oates, Lee Grant, Larry Gates, James Patterson, William Schallert, Beah Richards, Peter Whitney, Kermit Murdock, Larry D. Mann, Matt Clark, Arthur Malet, Fred Stewart, Quentin Dean, Scott Wilson, Timothy Scott
Duração: 110 min.

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