Adaptado de uma peça teatral homônima, Nervo Craniano Zero é uma narrativa que dialoga com uma das ramificações do horror enquanto gênero cinematográfico no sistema brasileiro de produção, isto é, a mescla de elementos cômicos (humor) com traços consideráveis de terror. Realizado por uma equipe curitibana, o filme de breves 86 minutos traz o cineasta Paulo Biscaia Filho também como roteirista, a nos contar uma história aterrorizante com inserção de traços satíricos, possíveis de maior compreensão por aqueles que dominam as propostas habituais deste tipo de narrativa: as menções ao imaginário cultural, com citações indiretas aos clássicos que deixaram seu legado no gênero, tendo ainda a manifestação de características próprias, numa comprovação de acesso ao acervo cinematográfico disposto para intertextualidade, mas criação de uma estrutura muito particular, numa perspectiva que geralmente chamamos de autoral, com ressonâncias que evitam a imitação.
O mote não é complexo: a escritora Bruna Bloch, interpretada de maneira competente pela atriz Guenia Lemos, decide colocar em prática um inescrupuloso e macabro plano para driblar o bloqueio criativo de ideias que a acomete ao longo da narrativa. O seu nome é parte da lista dos mais vendidos e a badalação na carreira é algo que a autora pretende manter como parte de seu cotidiano. Para isso, ela adquire um chip que ao ser implantado no cérebro, permite que surtos de inspiração criem a combustão necessária para que ela dê continuidade aos seus projetos. Em busca dessa “eternidade” que promete criatividade ilimitada, haja vista as descargas generosas de dopamina no material, ela não pode se dar ao luxo de sofrer reações adversas, possíveis de ocorrer em qualquer estudo científico pouco desenvolvido, sem testagens. O caminho é encontrar alguém para servir de cobaia, mas quem?
É quando entra a aparentemente inofensiva Cristi (Uyara Torrente), uma jovem garota cheia de planos para uma vida de intensidade, figura ficcional colocada na lista da macabra escritora, personagem que ganha o apoio do médico insano por detrás do empreendimento, o Dr. Bartolomeu Bava, interpretado pelo também competente Leonardo Daniel Colombo, um homem que durante o tempo da narrativa, perdeu a licença para atuar como médico, restrição causada após um acidente com o tal chip em experimentação, uma tragédia laboratorial que mudou a sua vida profissional. Assim, Nervo Craniano Zero traz arquétipos clássicos do cinema para nos fazer rir e refletir, com alguns momentos de instabilidade no ritmo, mas resultado final acima da média. Aqui, nos encontramos com o cientista em seus momentos de tormenta, uma escritora protagonista maléfica, anti-heroína, e uma garota frágil colocada em posição submissa, mas que ao passo que a história avança, coloca-se numa postura mais firme.
Com linguagem que nos lembra os quadrinhos, haja vista a fluidez e os diálogos enxutos e muito incisivos, Nervo Craniano Zero flerta com a linguagem teatral para criar a sua proposta irônica, com atuações propositadamente caricatas, bizarras, escolha que se relaciona com o ponto de partida dos palcos, afinal, antes de ser filme, a trama foi uma peça. Mesmo diante do orçamento limitado, o filme consegue criar uma identidade visual interessante, com seus cenários estilizados e direção de fotografia caprichada, em especial, na iluminação proposta pelo fotógrafo Maurício Baggio. A trilha sonora de Demian Garcia traz um arsenal de sons que nos remetem aos anos 1980 e o uso de Total Eclipse of The Heart, de Bonnie Tyler, num momento nada comum para este tipo de faixa musical, nos faz escutar o clássico internacional com outra sensibilidade. Em linhas gerais, um filme de terror com doses de humor, com personagens caricatos a entoar falas consideradas tolas, mas num tom de seriedade caricato. E de propósito.
Nervo Craniano Zero — Brasil, 2012
Direção: Paulo Biscaia Filho
Roteiro: Paulo Biscaia Filho
Elenco: Leandro Daniel Colombo, Guenia Lemos, Uyara Torrente
Duração: 90 min.