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Crítica | Nathan Never Gigante #1: Futuro Duplo

A revolta das máquinas é real.

por Luiz Santiago
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Futuro Duplo é uma daquelas histórias de ficção científica bruta que nos espantam por sua proximidade com eventos do mundo contemporâneo; não exatamente como posição da nossa sociedade, mas como um indicativo possível de sua evolução. Existe um aspecto heroico em cena, por conta de uma guerra entre as criaturas tecnológicas e os humanos híbridos (mutantes), mas algo de maior substância se faz perceber no embate entre o Homo Sapiens e suas criações — nesse caso, a tecnologia digital, os robôs e todo tipo de máquina ou acessórios inteligentes, principalmente aqueles integrados ao corpo. Este é um “futuro duplo” porque o roteiro de Antonio Serra explora uma mudança de continuidade na linha do tempo do protagonista, mas é também um “futuro duplo” porque, nele, temos versões diferentes da nossa espécie vivendo lado a lado, e, infelizmente, essa convivência nem sempre é harmônica. Principalmente quando o lado tecnológico adota ideias extremistas misturadas a um largo componente religioso em símbolos e nomenclaturas.

Uma viagem temporal realizada no meio da guerra contra os androides traz o perigo para o tempo de Nathan Never (cujas aventuras são ambientadas cerca de 115 anos à frente do nosso próprio tempo). Foi uma maneira interessante de conectar duas narrativas bem distintas, ambas muito interessantes. Como o autor demora para colocar o protagonista em cena, o leitor tem tempo suficiente para acostumar-se aos personagens novos e ver como certas sementes do século 22 (sociedade de Nathan Never) influenciam a realidade hostil dos séculos seguintes, e que, em muitos de seus elementos estéticos e até narrativos, me fizeram criar paralelos mentas com o mangá Gigantomachia (2013 – 2014), de Kentaro Miura. No entanto, o roteiro aqui é muito mais sério e muito mais elegante na forma como constrói o drama dessas duas temporalidades, fazendo-nos acreditar que veremos uma sequência de lutas até que o futuro se veja salvo de um extermínio completo da humanidade. Ou não.

Mas esta é apenas parte da história. No desenvolvimento de Futuro Duplo, o Agente Alfa acaba sendo contratado para cuidar da segurança de um cientista estranho, mas genial. E é neste bloco que temos um desvio que certamente dividirá opiniões em relação ao Especial como um todo. É preciso deixar claro que nenhum bloco dramático aqui é ruim. Ao contrário, todos são muito bem escritos, com esse meio do caminho lembrando bastante algumas sagas de exploração espacial com surpresas difíceis de explicar à primeira vista (me vieram à mente ecos de 2001: Uma Odisseia no Espaço e um pouquinho de Perry Rhodan também). A questão com essa abordagem é que ela não está bem encaixada na estrutura do Futuro Duplo, funcionando muito mais como uma narrativa à parte do que qualquer outra coisa. É um longo flashback que mostra, mais uma vez, o lado pesado da ficção científica na série, mas que dura muito tempo e discute assuntos muito densos e próprios de sua realidade futurista, destoando do cerne do volume. Eu adoraria ver essa trama mostrada numa outra edição, com um enredo exclusivo para esta viagem e indicações de suas consequências; não como enxerto narrativo (por melhor que seja — e sim, é muito bom!) de outra saga.

Há também uma cena em um futuro ainda mais distante, relacionada a uma amiga de Nathan Never que entrou em sono criogênico até que a cura de sua enfermidade fosse finalmente descoberta. Este final, pensando na mensagem de esperança que o autor plantou no último ato, acaba fazendo sentido sim. Primeiro, porque é um momento curto da trama, uma compensação de algo anteriormente explorado. Segundo, porque segue o tom dramático da história, contribuindo para reforçar as escolhas de vitória sobre as adversidades que Antonio Serra e o desenhista Roberto De Angelis (que criou maravilhosos cenários e personagens ultratecnológicos) prepararam para nós. Em um mundo cheio de pessoas com más intenções e de outras querendo apenas sobreviver, temos a oportunidade de olhar para os bastidores inalcançáveis da sociedade e notar como algumas tragédias humanas se formam, quase como uma versão alternativa de Matrix. Ao menos na ficção isso é possível, não é mesmo?

Nathan Never Gigante #1: Futuro Duplo (Doppio Futuro) — Itália, fevereiro de 1995
Editora original:
Sergio Bonelli Editore
Roteiro: Antonio Serra
Arte: Roberto De Angelis
Capa: Roberto De Angelis
243 páginas

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