Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | Nathan Never – Vol. 5: Força Invisível

Crítica | Nathan Never – Vol. 5: Força Invisível

por Luiz Santiago
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Força Invisível é uma história surpreendente em tudo. Primeira obra-prima do título Nathan Never, ela aborda temas adultos a partir da história da família De Haven, cuja filha Angel fugiu de casa e todas as pistas apontam para o mundo dos holofilmes pornográficos. Ao longo da leitura não pude deixar de notar alguns paralelos com os becos da Terra-2014, principalmente em Antes do Incal, onde a prostituição, o sexo entre humanos, robôs e mutantes e as mais variadas formas de fetiches e crimes sexuais e contra a mulher são cometidos e saem impunemente, já que os homens que gerem estes negócios têm proteção das autoridades (muitos deles usuários desses negócios) e da própria sociedade, que renega, condena e apoia, como “castigo divino”, as coisas ruins que acontecem com as mulheres que fazem parte deste negócio.

No início da história, temos a indicação de uma manchete da City News: Tempos Difíceis Para os Mutantes: a trágica realidade de quem é “diferente” e, na sequência, uma definição na mesma matéria, certamente trazendo a memória alguns personagens de O Monolito Negro: “diferentemente dos mutati (criaturas geneticamente engendradas em laboratório), os mutantes são seres humanos normais, nascidos com dotes paranormais cientificamente inexplicáveis”. Esse contexto dado pelo roteiro de Michele Medda é importante para preparar o terreno para a personagem de Angel/Marsha, a filha desaparecida que não suportava mais o lar repressor e fanático religioso em que vivia, com os pais devotos da Divina Presença, a seita do reverendo criminoso, charlatão e hipócrita Aristotele Skotos.

Com diversas referências ao filme The Horror Picture Show, críticas ao vasto mercado da pornografia (tanto a usuários – que de certa forma incentivam a produção – quanto aos empresários do ramo) e oposição de questões feministas, por parte de Legs, com a misoginia que reina nesta sociedade; e ainda alfinetadas bem aplicadas na hipocrisia de muitos religiosos, de muitos homens (que se escandalizam e se manifestam publicamente aos gritos, contra atos de escolhas e liberdades alheias, quando eles mesmos praticam, incentivam ou sentem prazer em coisas até piores) o texto mergulha na noite da periferia, dos níveis inferiores da cidade e vê quanta dor e sofrimento acontece por trás de cada espetáculo sensual, de cada filme pornográfico e de cada história individual que a mídia e a polícia tratam apenas como estatística, levantando, inclusive, o discurso de uma parcela da população sobre o fato de isto “ser pura e simplesmente uma escolha das mulheres que lá estão”.

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Contra qualquer abordagem rasa da discussão deste tema, Medda insere um tema delicado e árduo neste universo de Nathan Never, também nos dando a oportunidade de conhecer um pouco do protagonista e seus momentos de machismo (velados ou não), todos propositalmente inseridos e contextualizados pelo texto, tendo na voz de Legs uma sequência de boas respostas para as cobranças de “feminilidade ideal”; cantadas e submissão ou fraqueza feminina que aqui e ali aparecem vindo da boca de alguém. Alguns leitores até podem apontar que o motivo do afastamento de Legs da história, após ser hospitalizada, é, de certa forma, vítima daquilo que o texto critica, mas eu não penso assim. Vejo com algo plenamente orgânico o deslocamento do tornozelo da agente especial, até porque ela estava utilizando saltos e não por sua escolha, mas por indicação de Nathan, à guisa de disfarce.

A arte de Romeo Toffanetti mostra com grande pompa as silhuetas e sujeira dos lugares visitados pelos investigadores, integrando bem a libido humana aos corpos ou acessórios robóticos e cenários pichados, prédios abandonados, ferros-velhos e clubes. O artista também escolhe uma boa forma de ocultar determinadas cenas ou de mostrá-las parcialmente, indicando o horror que representam, como a cena de pornô snuff onde uma mulher é morta por uma luva robótica durante o sexo.

A sexualidade, a criminalidade, a religiosidade e temas centrais como estupro, conflito de gerações, feminismo, machismo, interação entre mutantes e humanos, hipocrisia e falso moralismo fazem de Força Invisível é uma tremenda história, com um final duro e melancólico que não salva ninguém. O leitor, assim como os personagens, fica destroçado com o que viu, especialmente por saber que, exceto o elemento futurista em cena, não há diferença para o mesmo assunto em nossa sociedade.

Nathan Never #5: Forza invisibile (Itália, outubro de 1991)
Sergio Bonelli Editore

No Brasil: Editora Globo (março de 1992)
Roteiro: Michele Medda
Arte: Romeo Toffanetti
Capa: Claudio Castellini
Letras: Francesca Piovella
100 páginas

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