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Crítica | Natalis

por Davi Lima
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natalis

O filme Natalis da diretora Raquel Monteiro coloca o espectador em questionamento sobre o que é vídeo, o que é foto e o que é imagem. Ao utilizar gravações câmeras de vigilância para compor seu filme, com uma velocidade menor de fotos por segundo, a diretora usa o ritmo pausado, ou até mesmo a sensação de pausa para propor neologismos como: quadros digitais, pintura de pixels, ou pixelização de angulações artísticas de profundidade. Essas expressões podem ser pensadas porque a maneira pausada que a narrativa do filme trilha remete à foto parada, e a natureza dos vídeos de vigilância parece com o estilo profundo de paisagens realistas de pinturas. Mesmo assim, diante do efeito da pausa e do questionamento sobre a natureza cinematográfica, a força do som do vazio e dos efeitos sonoros é o que dinamiza uma película feita de inércia.

Com inspirações em Wim Wenders e Chantal Akerman, ao menos sonoramente, o filme Natalis pega emprestado o material de som citado nos créditos de obras de diretores que valorizam o tempo como desafio para o espectador para os espaços que assistem. Da mesma forma, a diretora Raquel estabelece o tempo que os vídeos de vigilância foram tiradas, período de Natal, e vai do espaço de uma igreja vazia com o movimento do fogo num presépio para paisagens externas de casas em locais cobertos de neve. Fora a lentidão das passagens de frames por segundo, há a falta de movimento generalizado, com pequenas pontuações cinéticas de pessoas numa praça com árvore de Natal ou de sensores abióticos como nuvem, neve, fumaça e ondas do mar. Esse cenário é a própria temática da diretora que inicia seu filme com uma frase sobre como o vazio traz matéria, traz vida. A materialidade da calma, a vida do tempo desacelerado que ouve a imagem. Essa sinestesia não é novidade no cinema pois parte do conceito do cinema de que o silêncio, que dá mais ênfase a imagem pixelada dos vídeos de câmera de vigilância, é chamado de som dentro da faculdade de criação sonora nos filmes.

A falta de som, o silêncio, se harmoniza com o vazio de uma praça no Natal, de uma paisagem “inóspita” de casas embaixo de uma montanha, ou de indústrias ao longe em uma cidade com pontes, realmente tudo isso parecendo quadros realistas que tanto foram produzidos no século XIX, ou pós Revolução Industrial. Porém, o que surpreende o espectador ao assistir o filme é quando surge o som. Tanto a edição de som tiradas das obras de Akerman e Wenders quanto outros sons, como a própria narração perto do final do filme, que tematiza de maneira mais enfática o conforto que o vazio do filme quer almejar, ou, quem sabe, evidenciar o desconforto de espectadores com a mente acelerada. Se a imagem de Natalis tem som, o som da obra de Raquel tem espaço. 

Quando o primeiro zoom out acontece na paisagem no mar, que disfarça uma transição para outra câmera de vigilância, é uma possibilidade de se atinar para como outros zooms acontecem com a música, um zoom invisível, ou até de teletransporte para outras paisagens. Se o som do fogo do presépio não se ouve na igreja, na primeira passagem de vídeo, se ouve quando se mostra as casas num ambiente frio embaixo de uma montanha, como uma fotografia preto e branco por causa da luz noturna. E outro exemplo é quando mostra-se uma rua com carros no sinal e ouve-se passos de pessoas, por exemplo.

Assim, Natalis vai tornando qualquer vazio ou ambiente desconhecido mais íntimo, ao menos para quem assiste e consegue sintonizar na natureza pausada da obra. A falta de sintonização acaba também dando margem para o tema da diretora, pois mostra como a contemporaneidade se acelera e se vigia, mas não aprecia o inusitado prazer de ver arte nas pixeladas e lentas imagens de vídeos feitos por câmeras de vigilância. Se para alguns o Natal é um período sem família ou amigos, ou esvaziado para o padrão social, Raquel mostra que o vazio se faz matéria de conforto, como um vácuo de proteção para pensamentos tristes que vão enxugando lágrimas num ritmo tranquilo, com uma velocidade de vídeos de câmera de segurança.

Natalis (Natalis) – Brasil, 2021
Direção: Raquel Monteiro
Roteiro: Raquel Monteiro
Elenco: praças, montanhas, nuvens e neve.
Duração: 49 minutos

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