O período natalino é repleto de convenções e uma delas é a reunião entre as pessoas. Quem teve uma família ou grupo de amigos que sempre festejou este período e depois passou por momentos de solidão com certeza trafega pelos mais abissais espaços da memória para resgatar lembranças de uma época saudosa. Um escritor da nossa literatura que tinha essa habilidade e, neste processo, estabeleceu composições poéticas esteticamente deslumbrantes e tematicamente cativantes foi Manuel Bandeira. Ao observar o seu panorama de publicações ao longo da produtiva carreira de poeta, podemos encontrar diversas poesias que deflagram um lado nostálgico do Natal, seja por representações simbólicas religiosas ou por momentos do passado relembrados com lirismo, em associações com o cotidiano contemporâneo do autor. Canto de Natal, Versos de Natal, Natal, A Anunciação são algumas destas pérolas poéticas, mas aqui, me atenho ao singelo Natal Sem Sinos, publicado em 1952.
No poema curto, mas marcante, Manuel Bandeira destaca o quão a sonoridade proveniente dos sinos marcou a sua trajetória em consonância com o período natalino. Cada ressoar invoca o passado e traz lembranças para o presente, sendo a conjugação do que se foi geralmente sempre mais belo e imponente que a atualidade. Nostálgico, o eu-lírico abre mão de outros símbolos do período natalino, tais como o Papai Noel, a árvore decorada e iluminada, a guirlanda e o presépio, para colocar em destaque um elemento sinestésico, responsável por ingressas em suas mais profundas zonas memorialísticas, algo bem característico do Natal. A audição é o sentido em destaque aqui. E a maneira como o poeta constrói os seus versos, com a cautela característica do seu estilo, reforça a sonoridade em simbiose com o que é lido.
O nascimento de Cristo, a temática “original” do festejo natalino é um destaque no poema Natal Sem Sinos. As igrejas da sua cidade, a musicalidade dos sinos, rimados com “meninos”, destacam o quão o eu-lírico se entristeceu e sentiu a perda de sentido desta data comemorativa por não ouvir mais a sonoridade que embalava a festividade na época de sua saudosa infância. O tom silencioso do presente transpassa para o leitor a ideia de solidão. Outro detalhe é uma possível comparação entre o tédio da vida adulta, desprovida de magia, da vida na infância, onde tudo era mais inocente, as coisas singelas nos envolviam. Enxuto, cuidadosamente estiloso e dinâmico em sua composição literária, Manuel Bandeira nos entrega neste poema uma lírica mensagem de nostalgia, mantendo o alto nível de sua vasta poesia sofisticada.
Os temas deste poema são caros na trajetória do escritor. Por isso, mesmo diante da sua simplicidade, temos aqui uma construção literária repleta de muitos sentidos, indo além da estrutura versificada. É o ressoar dos sentimentos de um eu-lírico em profusão de emoções. Manuel Bandeira nunca casou, não teve filhos, viveu de certa maneira isolado, num padrão de vida profícuo para a sua veia poética produtiva. Todo período natalino, para o poeta, sem sombra de dúvidas, foi uma travessia fortemente acometida pela sensação de solidão. É o que podemos ver em muitos de seus poemas, não apenas em Natal Sem Sinos. Ademais, representação da paixão e da vida, os sinos também se tornaram tema para outras publicações do escritor.
Natal Sem Sinos (Brasil, 1952)
Autor: Manuel Bandeira
Editora: Editora Record
Páginas: 1