Na mesma medida que os dramas e as comédias investem em histórias natalinas como forma de manter os espectadores interessados diante da tela, os realizadores de terror também se desdobram para entregar ao público, narrativas violentas que revertem vertiginosamente todas as conhecidas convenções deste período peculiar de nosso calendário anual. O que é o Natal se não um momento de renovação de ciclos, reencontros amigáveis, troca de presentes e ideal de felicidade para todos aqueles que desejam compartilhar bons sentimentos e memórias? É com essa “métrica” que o capitalismo investe pesado há eras para fazer do mês de dezembro um aquecido período comercial. Sendo assim, quando uma história se propõe a estabelecer o horror absoluto, com mortes, sangue e violência em cena, temos a ironia e a contradição em seu grau máximo. É o que acontece com Natal Diabólico, lançado em 1980, filme de terror vendido como slasher, com relançamento no Brasil, por sinal, este ano.
Caro leitor: devo-lhe dizer que sendo um crítico e cinéfilo experiente neste profícuo subgênero cinematográfico, há temos não assistia uma narrativa tão estranha. São em média 100 minutos de narrativa que mescla uma série de referências e possíveis ilações de cinema que tornam complicada a tarefa de classificar a produção. Não é um filme excepcional, ao contrário, é construído por um ritmo muito monótono e desinteressante em boa parte do tempo, mas também seria leviano desclassificar toda a sua estrutura. Há um “quê” de Alfred Hitchcock na maneira como o protagonista se relaciona com a cor vermelha, algo que me remeteu imediatamente ao clássico irregular Marnie: Confissões de Uma Ladra, uma trama que utiliza a expressividade desta cor para deflagrar os momentos de perturbação psicológica da personagem interpretada por Tippi Hedren. Além disso, a relação do protagonista com seus traumas, em especial, o voyeurismo, nos traz elementos semelhantes ao clima do proto-slasher A Tortura do Medo, de John Powell.
É, por sinal, como proto-slasher que Natal Diabólico se desenvolve. Não chega a ser um slasher autêntico, mas apresenta elementos deste subgênero em seu centro narrativo. Na trama, escrita e dirigida por Lewis Jackson, acompanhamos a derrocada psicológica do protagonista, um homem obcecado pelo período natalino Harry Stadling, interpretado por Brandon Maggart, testemunhou quando criança a sua mãe se relacionando sexualmente com o Papai Noel. Muito jovem ainda, não conseguiu transformar a cena em algo resolvido na posteridade. O homem, na verdade, era o seu pai, dividindo com a matriarca momentos de intimidade que não deveriam, em teoria, passar pela contemplação da criança que carregou aquela memória para a vida adulta. Ele trabalha numa fábrica de brinquedos, usa uma touca vermelha para dormir e cotidianamente observa as crianças da vizinhança, classificando-as como boas e más, conforme os seus respectivos comportamentos. Com a proximidade do próximo Natal, as coisas ficam tensas.
O seu irmão Phillips (Jeffrey DeMunn) desconfia de que algo perturbador está para acontecer. É com muita estranheza que Harry tem se comportado, o que culminará numa noite natalina de sangue e perseguição, neste slasher sem final girl, tampouco locus horrendus. Aqui, as mortes que acontecem bem depois da metade do filme pecaminoso em ritmo acontecem em plena cidade grande. Mesmo em pouca quantidade para uma produção classificada como slasher, a contagem de corpos é captada com ansiedade pela direção de fotografia de Ricardo Aronovich, setor interessado em destacar o quão perturbado se encontra o personagem, a ponto de mesclar momentos de distribuição de presentes para crianças, para noutros trechos, se comportar como o Michael Myers do Natal. Com um final bastante fantasioso e pouco convencional para o subgênero, Natal Diabólico encerra a sua história com incertezas, deixando para o espectador a decisão dos rumos tomados pelos personagens.
É curioso, bizarro, muito estranho. Mas uma jornada peculiar que deve ser experimentada, nem que seja para a sua negação.
Natal Diabólico (Christmas Evil, Estados Unidos – 1980)
Direção: Lewis Jackson
Roteiro: Lewis Jackson
Elenco: Brandon Maggart, Jeffrey DeMunn, Dianne Hull, Andy Fenwick, Brian Neville, Joe Jamrog, Wally Moran, Gus Salud
Duração: 86 min.