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Crítica | Nashville – 1ª a 4ª Temporadas

por Leonardo Campos
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A indústria cultural adora rivalidades. Um dos maiores motivos é o seu grau de rentabilidade, não apenas na seara estadunidense, de onde emergem os conflitos de Nashville, mas algo numa escala global. Basta esboçar um pequeno esquema num elucidativo papel para as disputas calculadamente planejadas pelos produtores e empresários se instalarem, venderem jornais, revistas, circularem pelas redes sociais e se tornarem assunto. Em meu rascunho já tenho, para início de conversa, Madonna e Cindy Lauper nos anos 1980, cantoras que assumiram, posteriormente, que foram manipuladas por homens para serem “inimigas”. Quem lembra da rivalidade entre Christina Aguilera e Britney Spears? No Brasil, Sandy e Wanessa Camargo. Ivete Sangalo e Claudia Leitte. Na ficcional Nashville, Rayna e Juliette. Todas as citadas, ficcionais ou da “vida real”, parte de um esquema maior de manipulação que resulta em retorno financeiro praticamente garantido.

Criada por Callie Khouri, a roteirista do feminino e feminista Thelma & Louise, Nashville possui episódios que ficam na média dos 42 minutos. Exibida desde 10 de outubro de 2012 pelo canal ABC, a série produzida pelos conglomerados da Lionsgate Television e da Gaylord Entertainment foi cancelada após o final da quarta temporada. Comprada pelo canal country CMT, ganhou quinto ano e em meados de 2017, teve nova temporada aprovada. Sinal de que ainda há interesse do público pela série, mesmo com as mudanças bruscas no mote central. Filmada em Nashville, berço de vários artistas da música country, a série primeiro faz um plano geral das dinâmicas no âmbito da indústria, para logo mais, apresentar as particularidades de seus personagens dentro deste ambiente que surge como um microcosmo da sociedade.

O ponto central da série é a dinâmica entre Rayna James (Connie Britton) e Juliette Barnes (Hayden Panetierre). O que acontece no entorno é combustível para equilibrar a existência destas suas personagens alegóricas, que nos fazem mergulhar nos bastidores da indústria cultural através de formatos já consagrados pelas séries de TV ao longo dos últimos 20 anos. Bem relacionada com os críticos em seus primeiros anos, Nashville é relevante por tratar com maturidade temas comuns ao campo da cultura e ao contemporâneo: rivalidade, jogo de poder, legitimação do poder feminino diante do patriarcalismo, etc. A série é sobre o “aqui” e o “agora”, mas nem por isso, tal como dito por Douglas Kelnner em A Cultura da Mídia,  “deixa de tocar nas cordas sensíveis da sociedade”.

Rayna James é uma famosa cantora country que depois de duas décadas de sucessos, observa a sua carreira entrar em declínio. Os tempos são outros, o público que amadureceu junto com os seus trabalhos não é mais suficiente para justificar os seus custos em uma gravadora. Ciente de que precisa fazer algo para encontrar o seu lugar no mercado fonográfico contemporâneo, James começa a realizar ações que no passado gabou-se por ter negado: gravar comerciais de marcas famosas, produzir mais capas de revistas com detalhes razoáveis de sua vida pessoal, entre outras ações não desejáveis por uma artista que preferia ser reconhecida apenas por sua produção musical, distante do culto das celebridades, parte do mundo da sua “oponente”, Juliette Barnes, jovem com todo vigor que tem demonstrado ser um fenômeno na música country, mas com “pegada” pop no melhor estilo Britney Spears. A moça possui uma legião de fãs, seus shows estão sempre lotados e a histeria na mídia e na vida são constantes, algo que atrai as atenções dos produtores, interessados em trazer Rayna James para uma possível parceria com a nova cara da música country.

A veterena recebe a proposta de abrir um show para a novata, mas diversas questões desconfortáveis gravitam em torno desta questão: há o ego ferido por se sentir desrespeitada em ter que abrir um show para alguém que considera tolo e fugaz; há o perigo de colocar a carreira em risco, haja vista a distância entre a maturidade do seu trabalho com a fragilidade artística da artista no auge. Será preciso tempo e alguns episódios para os espectadores entenderem a relação entre ambas, interessadas, mesmo que através de muita resistência, em conhecerem um pouco mais o mundo uma da outra.

Assim, nos primeiros momentos o conflito é constante. Rayna é pressionada por ter que assumir responsabilidades na família, duas filhas pré-adolescentes, o ex-marido Deacon (Charles Esten), também ex-parceiro nos palcos, homem que traz junto de si o fantasma do alcoolismo. Há ainda o marido político e o pai, envolvidos em esquemas de corrupção na cidade e uma história mal resolvida no passado, referente a morte da sua mãe. A maternidade, cabe ressaltar, é um dos destaques, pois Juliette Barnes também tem os seus demônios para enfrentar. Ela é a típica celebridade que sofreu os diabos no passado, e, no presente, vive sob a orientação da prepotência, guiada por relações frágeis e muito instabilidade. A sua mãe, uma viciada em drogas, sai da condição de uma sombra do passado para assombrar o presente, trazendo caos e sofrimento para a vida da moça, mas também como uma explicação plausível para que possamos compreender os motivos que levaram a cantora a ser tão “problemática”.

Juntamente com Rayna e Juliette, temos Scarlett O’Connor (Claire Bowen), sobrinha de Deacon, aspirante a cantora e apaixonada pela vida, o arquétipo da menina interiorana boba e ingênua; Gunnar Scott (Sam Palladio), cantor iniciante e homem que exercerá papel de bumerangue na vida de Scarlett, entre as “idas e vindas do amor”; Avery Barkley (Jonathan Jackson), competente músico que se torna produtor musical ao longo das temporadas, apaixonado por Juliette e pai da sua filha; Will Lexigton (Will Chase), sedutor cantor country iniciante que precisa equilibrar a sua vida musical com os fantasmas da vida pessoal que o assombra, sendo um deles, o que habita o armário, instigando-o a sair, diante da sua condição homossexual; Jeff Fordam (Oliver Hudson), empresário que vai tentar colocar as garras em Rayna, sem sucesso, mas conseguirá extrair bastante energia de Juliette, sendo um dos maiores problemas da artista já “problemática”; Luke Wheeler (Will Chase), a heterossexualidade em pessoa, famoso cantor country venerado pelo público, responsável por exercer bastante significação na vida de Rayna durante duas temporadas; Daphne Conrad (Maisy Stella) e Maddie Conrad (Lennon Stella), as filhas de Rayna, ambas confusas e em fase de crescimento, personagens que precisam lidar com suas questões pessoais e com os problemas causados pelos pais sempre envolvidos em confusão.

Na primeira temporada, o tema central é a busca de artistas por autenticidade em um mercado dominado por elementos frágeis, aparências e efemeridade da fama. Enquanto Rayna precisa ceder e se tornar mais “publicitária”, Juliette faz a fama com videoclipes sensuais repletos de letras bobas e objetificação feminina. Ambas querem mudar e no final da corrida, conseguem. Rayna consegue encontrar o equilíbrio ideal entre a “sua arte” e a propaganda e Juliette começa a investir em trabalhos um pouco mais substanciais, mas estas estratégias ainda não o começo para os planos de ambas, pois há muito por vir ainda.

Na segunda temporada, os temas se repetem, mas mesclados com a vida intima de cada um dos personagens. Rayna precisa lidar com a presença mais constante de Deacon, individuo que descobriremos ser pai de uma de suas filhas. Juliette precisa se estabelecer enquanto artista mais séria, mas os problemas não cessam, principalmente por conta da sua relação com o álcool e as drogas. Mudanças surgem no horizonte de ambas, indicando que talvez seja o momento de se unirem em prol de suas carreiras, ameaçadas por investidores machistas preocupados unicamente com números.

Na terceira temporada, todos os problemas anteriores continuam, pois são a sina da indústria fonográfica: alcançar número máximo de seguidores, vender bastante, lotar shows, além de dar conta da agenda pessoal. Depois do turbilhão de problemas sentimentais, Rayna é pedida em casamento ao vivo, em um show de Luke Wheeler (Will Chase), também cantor country de sucesso, personagem relevante e constante nos últimos episódios, homem que carrega os mesmos problemas dela: uma família balançada por conta dos conflitos de agendas e pais que são artistas despreparados para lidar com instabilidade dos filhos adolescentes. Juliette, ao descobrir que está grávida, começa a repensar as suas atitudes e para aquecer os dilemas novelísticos da temporada, temos a crise da mais “novata” Layla (Aubrey Peebles), nova aposta deste campo industrial que anseia por novidades para aquecer o mercado.

Na quarta temporada, Rayna está bem próxima de Deacon, pois o casamento da temporada anterior se revelou um desastre. Juliette, totalmente dedicada ao ambiente familiar, anseia por retorno aos palcos. Todos os personagens estão vivenciando crises existenciais e problemas comuns aos seres humanos: a filha mais velha de Rayna busca emancipação, a filha mais nova sente-se preterida, Juliette precisa reconquistar o pai de sua filha, homem que magoou no passado recente; há ainda a interessante discussão que já começara na temporada anterior, referente ao cantor homossexual Will Lexigton (Chris Comarck), jovem que assume a sua questão e passa por provações terríveis, haja vista o teor heterossexual que se convencionou a associar no que tange aos meandros da música country.

A série nos remete ao elucidativo Estratégias Competitivas, de Michael Porter, estudo que nos apresenta as cinco forças que influenciam a concorrência mercadológica: a ameaça de novos participantes ou barreiras à entrada (o fenômeno Juliette Barnes); poder de barganha e negociação com os compradores (uma artista que vai precisar ceder aos códigos que regem a cultura da mídia e a sociedade do espetáculo para fugir do ostracismo); os fornecedores e o seu poder de barganha (as cantoras protagonistas nas mãos das estratégias nem sempre escrupulosas dos empresários); produtos substitutos ou a ameaça de serviços substitutos (Juliette substituirá Rayna? Layla substituirá Juliette mais adiante?); e as concorrentes da indústria com seus níveis de rivalidade (a maturidade de Rayna em conflito com a fragilidade de Juliette). Sendo assim, Nashville é um interessante “estudo de caso” sobre mercado, marketing e indústria cultural, além de flertar constantemente com a sociedade do espetáculo e a cultura da mídia, em suma, relevante material ficcional para debates sobre questões culturais que atravessam a contemporaneidade.

Após alguns ganchos em aberto na quarta temporada, a série ficou por um tempo em um mar de incertezas. Cancelada pela ABC, após um breve período, foi comprada pela CMT. Connie Britton, por sua vez, assinou apenas para participar de alguns episódios. Como definir a vida da personagem nesta virada? Uma viagem? Saída da música para viver com a família? Não! Os produtores preferiram investir no novelístico final trágico, matando a personagem num acidente de carro. Juliette, que havia sofrido um acidente de avião no final da quarta temporada, é salva por uma evangélica e começa a seguir outros caminhos, dedicando o seu amor ao “divino”. A série continua, mas a luz agora cai em outros personagens, vivenciadores dos mesmos dilemas. Digamos que seja uma “nova” Nashville. O clima continua, mas sem o brilhantismo da presença de Connie Britton, protagonista que segurou até mesmo os momentos mais incertos dos 88 episódios das quatro temporadas iniciais.

Nashville – 1ª a 4ª Temporadas (Emissora ABC) — EUA, 2012-2016
Criação: Callie Khouri
Direção: Vários
Roteiro: Vários
Elenco: Connie Britton,Hayden Panettiere, Clare Bowen, Eric Close, Charles Esten, Jonathan Jackson, Robert Wisdom, Powers Boothe, Chris Carmack, Lennon Stella, Maisy Stella, Oliver Hudson, Will Chase, Sam Palladio.
Duração: 42 min (cada episódio).

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