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Crítica | Nasce Uma Estrela (2018)

por Gabriel Carvalho
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“Eu só queria te olhar outra vez.”

Uma das passagens de Nasce Uma Estrela, quarta versão da mesmíssima história que ganhou os cinemas, originalmente, em 1937, contém uma clara metalinguagem com a própria natureza da obra, uma reinterpretação da reinterpretação, estando, aqui, muito mais conectada com os paralelos situacionais abertos pela narrativa de 1976, estrelada por Barbra Streisand – o segundo remake –, do que com os longas-metragens ainda mais anteriores. O estrelato, naqueles casos, era trabalhado dentro da indústria do cinema, enquanto, nestes dois, dentro do âmbito musical. Bradley Cooper, assumindo o cargo de diretor pela primeira vez em sua carreira profissional – deixando os antigos hábitos morrerem -, compromete-se em entregar uma nova visão, olhando, pelos seus próprios olhos, o enredo do nascimento de uma estrela e a derrocada de uma outra. Quando o protagonista masculino comenta: “música é, essencialmente, 12 notas entre qualquer oitava – 12 notas e a oitava repete. É a mesma história sendo contada, de novo e de novo. Tudo o que um artista pode oferecer ao mundo é como ele enxerga essas 12 notas”, o argumento é entregue. Nasce Uma Estrela é uma emocionante incursão do público dentro de uma história atemporal – sob uma ótica, à parte da ausência de um ineditismo discursivo, muito mais humana.

A responsabilidade em desenvolver esse mesmo conto novamente, mas em um espaço de tempo da produção recente a anterior – mais de quarenta anos – muito maior que as demais versões possuíam entre elas, seria inerente a qualquer diretor a cargo da obra. A estreia diretorial de Bradley Cooper, em uma primeira instância, é surpreendente, mostrando uma competência e habilidade impressionante do artista para o posto, evidenciando a sua vontade em manejar com desenvoltura esta sua reimaginação, cheia de sensibilidade. O ápice de uma carreira de sucesso. Cooper cria um espetáculo da música – a obra é um musical, mas não no formato tradicional, clássico, contudo, no sentido de músicas serem tocadas, como parte da narrativa, não a narrativa. O artista captura a imagem como verdadeiro profissional, experiente mesmo sendo novato. A exemplificar, em certa ocasião, Jackson Maine, seu personagem, observa a finíssima silhueta distorcida de seu interesse amoroso, a estrela prestes a nascer, em quadro belíssimo. A manipulação da imagem impressiona. As sequências musicais são energéticas, o som grandioso, a montagem certeira e a fotografia vibrante. Um show de iluminação. O espectador está verdadeiramente diante de um concerto musical, enxergando-o de bastidores avantajados.

Nasce Uma Estrela também é uma produção de um novo século. A repaginada moderna, além de situar a nova indústria da música nessa brincadeira de versões, que se transformou completamente nas últimas décadas, é sentida nos equívocos. Bradley Cooper, de fato, não ignora sobre o que as demais obras foram – a fama corrosiva, o lado sombrio do arco-íris. Em contrapartida, ao escalar a exuberante e talentosíssima Lady Gaga – em excelente atuação -, sempre rodeada de artifícios para compor-se como artista, para o papel de protagonista, uma “mera” garçonete com imensa aptidão vocal, o cineasta acaba assumindo uma posição perigosa, porém, não anseia realmente por despertar um calor crítico à sua obra nessa pontuação específica. O longa-metragem, por exemplo, é muito mais sobre criatividade do que sobre os malefícios do mundo das celebridades – morando apenas no campo do “eles falam que o meu nariz é muito grande” e “eu não vou pintar o meu cabelo”, situação que muda posteriormente. Bradley Cooper, de certa forma, está querendo falar dos artistas populares dos dias de hoje, mas, paralelamente, não procura se aventurar verdadeiramente por essas bandas – o arco do seu personagem, a exemplo, não possui causalidades com nenhum outro, dependendo apenas de si.

Quando enxergamos a obra sob os termos da grande decadência de Jackson Maine, um personagem, curiosamente, com mais proeminência do que a estrela em si, justamente por ser interpretado pelo próprio Bradley Cooper, Nasce Uma Estrela consegue alcançar os seus maiores êxitos, caminhando para uma emoção verdadeira do público, sem desonestidade no tratamento de sentimentos. O personagem é marcante. Antes disso, a direção já podia ser considerada, por si só, uma justificativa mais que necessária para uma salva de palmas, por parte dos espectadores, à obra, mas a atuação também é de uma sensibilidade comovente. Bradley Cooper realmente parece se importar com a construção desse artista destruído, até mesmo porque o roteiro adaptado, com sua participação, está preocupado em explorar o presente e o passado do músico de maneira enormemente competente. A presença do seu irmão, interpretado por Sam Elliott, engrandece a jornada retratada, na qual o amor é uma passagem em sua vida, vivida com profunda intensidade, mas sempre recaindo às problemáticas que tornaram-no conhecido. A alusão ao passado com o seu pai, contando a história envolvendo um cinto, é o suficiente para que temamos uma certa caminhada à garagem. O diretor é bastante sugestivo, delicado e íntimo.

O relacionamento, contudo, é o enfoque, como sempre aconteceu nessas narrativas, por estarmos diante de uma das mais poderosas histórias de amor, sobre sacrifício, abrir mão das coisas. O ingênuo sentimento de descoberta do artista, ao enxergar aquela jovem garçonete pela primeira vez, apresentando-se em um bar, é transmitido com bastante ternura. O personagem, depois, está perdidamente apaixonado, quando pergunta para olhar aquela estrela mais uma vez. A resposta da garota encanta. Por sua vez, os dois cantando exalam amor, daquelas paixões mais fervorosas, que fazem o corpo tremer por completo quando estando perto da pessoa amada, performando, ao lado dela, algo que também ama. O desenho de som nos arrepia tanto quanto. As músicas, ao mesmo tempo, são contagiantes. Os destaques são “Maybe It’s Time”, pelo significado atribuído ao personagem de Cooper, preso ao passado, “I’ll Never Love Again”, pelo poder contido na interpretação, e “Shallow“, por ser apresentada com cuidado, atingindo o ápice justamente no primeiro dueto ao vivo do casal, em um segmento no qual a montagem, assim como uma câmera acompanhando de maneira cirúrgica a carga emocional no número, remetem, uma outra vez, à capacidade do diretor nesse cargo nunca ocupado, além da cantora como intérprete dramática.

Porque, assim como, além de um ator renomado, Bradley Cooper evidencia-se como diretor, Gaga evidencia-se, além de uma cantora prestigiadíssima, uma artista de cinema. São estrelas renascendo – como o que George Cukor almejou construir em relação a Judy Garland, na espetacular versão de 1954. Sua personagem, Ally, é movida pelo destino das maiores histórias de amor, sobre o engrandecimento repentino, daqueles sonhos sonhados em sonhos sonhadores. O humor é algo bastante presente na fita. Sua personagem é graciosa, possuindo uma vertente tímida muito adorável de percebemos como concilia com o mundo apresentado. Ao sair da lanchonete, cantarola. A química com Jack, novamente, é ímpar, em decorrência da obra emitir umas sacadas para comédia excepcionais. O comediante Andrew Dice Clay, como pai da personagem, também está muito bem, apropriando-se do texto de Nasce Uma Estrela, que, em diversas questões humorísticas, é impecável. O único verdadeiro equívoco em relação ao roteiro, em termos de coesão, está presente no segmento presenciado por Dave Chappelle, personagem que aparece abruptamente e não mais retorna à trama, se soando um vínculo com um dos protagonistas não tão verdadeiro quanto poderia ser, apesar das ótimas cenas e do envolvimento.

A obra acaba esquecendo-se parcialmente do nascimento da estrela, porém, o público é redirecionado, imergindo no relacionamento amoroso, poderoso independentemente. Lady Gaga, em cenas que exigem mais de sua capacidade interpretativa, como em sequências musicais ou carregadas dramaticamente, revela-se uma força da natureza. A boca abre e a nossa, de espanto, também. O acompanhamento da condução vigorosa e, no mesmo passo, igualmente sugestiva e graciosa – o dedo sobre o nariz – justifica uma retomada dessa experiência, porque somos permitidos ao crédulo em relação a uma das coisas mais banais no universo das celebridades: o relacionamento entre personalidades famosas. O desastre na premiação, por exemplo, não é apenas compatível com o mundo do ficcional. Os podres são mais humanos. As vergonhas também. O público sente. O resultado não consegue evidenciar muito bem o olhar do cineasta em relação a mesma história singela interpretada por Janet Gaynor, cantada maravilhosamente por Judy Garland e desgastada consideravelmente por Barbra Streisand. O diretor, por outro lado, encara com maior humanidade a derrocada do astro, justificando essas mudanças no enfoque.

Nasce Uma Estrela (A Star Is Born) – EUA, 2018
Direção: Bradley Cooper
Roteiro: Bradley Cooper, Will Fetters, Eric Roth, William A. Wellman
Elenco: Lady Gaga, Bradley Cooper, Sam Elliott, Andrew Dice Clay, Anthony Ramos, Rafi Gavron, Dave Chappelle, Bonnie Somerville, Michael Harney, Rebecca Field, Willam Belli, Eddie Griffin, Greg Grunberg, Alec Baldwin, Luenell Michael D. Roberts, Barry Shabaka Henley, D.J. “Shangela” Pierce
Duração: 135 min.

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