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Crítica | Naruto (Clássico) – 1ª Temporada

por Iann Jeliel
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Naruto

  • SPOILERS! Acompanhe nossas críticas do universo de Naruto por aquiLembrando que os textos levam em conta a divisão nacional de temporadas.

Naruto foi o único dos grandes animes que tive vontade de acompanhar até o fim. Antes de saber que se tratava de um, assistia nas manhãs da programação televisiva com brilho nos olhos, como se fosse qualquer outro desenho animado por qual era apaixonado. A história do pequeno e não talentoso ninja, menosprezado pelo mundo, mas que mesmo assim queria provar o quanto podia ser especial com força de vontade me capturava em níveis pessoais à frente da pouca afinidade que tenho com a linguagem cultural japonesa. Portanto, deixo logo claro: comentarei sobre Naruto inteiro sem parâmetro algum de comparação. Nem com outros animes nem como adaptação do mangá de mesmo nome. Falarei da obra pela obra, sobre o que ela é em si em cada momento da trajetória. Até porque não tenho propriedade ou histórico de assistidos o suficiente (como é o caso do nosso líder do Plano Otaku: Kevin Rick) para falar de modo tão específico dentro da linguagem, enquanto shounen.

A primeira coisa que chama a atenção em Naruto é o cuidado com o estabelecimento da mitologia ninja em prol de seus personagens. Por mais que conceitos isolados viessem a ser radicalmente transformados ao longo dos anos, o criador Masashi Kishimoto já pensava neles como uma ótima base a se dimensionar para diversas dramaturgias espalhadas pelo seu universo. Não só o background do protagonista importa, mas principalmente como ele se conecta ao histórico de narrativas dos secundários ao seu redor, e como eles vão se conectando a outros. Ainda que exista uma pressa imediatista de querer vender logo a história, geralmente trazendo tais conceituações de mundo de modo extremamente vazio, com direito a pausas para exposições detalhadas carregadas de um didatismo digno de colegial, quando o anime foca nessas conexões emocionais que sutilmente vão se implementando conforme o modo que os personagens reagem e descobrem o mundo onde convivem, é quando ele mostra sua maior força.

O primeiro episódio é dos exemplos que engloba e destaca perfeitamente essa força conectiva dramática. A relação entre Naruto e seu primeiro sensei, Iruka, aqui estabelecida está entre as poderosas de todo o anime. Graças à justaposição muito bem orquestrada de suas origens em conjunto, que dá o primeiro gancho motivacional à formação da personalidade do protagonista. Iruka é o primeiro a demonstrar compaixão por Naruto, mesmo a criança sendo indiretamente responsável pela perda de sua família, no incidente que colocou a Raposa das Nove Caudas em seu corpo, ele nunca o culpou por isso ou o enxergou de forma diferente, como todos o olham, quase como o mesmo demônio que atacou a vila tempos atrás.

Ele compreende a solidão do personagem e que seu jeito encrenqueiro nada mais é – para além de chamar atenção mesmo – que uma defesa para não se sentir tão escanteado, além de ser o que alimenta sua perseverança de querer provar não ser aquilo que o julgam. Na boa ação de dar uma chance a ele, Iruka é recompensado e salvo por Naruto de receber um golpe de traição de um companheiro, que justamente queria levar Naruto para o lado vingativo do seu sentimento, em que ele facilmente cederia dado o tratamento que recebe de todos. O efeito dominó dessa ação se reverbera no processo de formação da crescente desse herói, que escolhe ser herói a partir desse momento, mesmo que todo o caminho queira o levar para o contrário.

No anime todo haverá uma crescente, de acordo com cada situação enfrentada, desse pensamento único de Naruto que vai transformando o universo ninja ao seu redor. Claro, nesse primeiro recorte, ainda é mais falatório do que qualquer outra coisa – o que é chato, mas ao mesmo tempo é legal, o Naruto é um ótimo personagem chato. É um sonho infantil conquistador e cada vez mais sedutor conforme novos desafios vão aparecendo. Essa é uma das maiores satisfações de acompanhar a jornada nesse início, cada obstáculo parece gigantesco, como se fosse o último, onde tudo está em jogo e a periculosidade sempre põe tudo a perder. Isso, junto à noção de competitividade introduzida com outros ninjas de mesma idade, fortalece a diegese da escala do universo e a vontade de conhecê-lo mais e mais.

Num primeiro momento, a academia ninja é o ponto ideal de observatório ao telespectador, pois captura o vislumbre dos personagens que também estão iniciando. O problema é que ele permite, por vezes nessa temporada, uma utilização descolada do humor que desvia gratuitamente o tom de seriedade da introdução narrativa, a troco de uma mini subversão depreciativa da venda de algumas premissas (exemplificando: a primeira demonstração de força do grande Jounin Kakashi, uma dedada lá naquele lugar do Naruto). Não que não tenha graça, às vezes tem, mas o anime tinha pouco ou quase nenhum timing de inserção nesse início. Ou vai me dizer que a escolha do segundo episódio de uma história desse tamanho ser inteiramente focado em Naruto ensinando a Konohamaru – uma criança, neto de Hokage, mas criança – um jutsu de transformação em uma mulher sexy não é no mínimo questionável?

Falando nisso, outro problema, mais relacionado a um problema cultural, é a péssima representação das personagens femininas. Mais especificamente, falemos de Sakura e sua paixão platônica por Sasuke que no máximo só serve para apimentar a ótima relação de rivalidade dele com Naruto. Eu até gosto da entrada adolescente da academia nesse início, com esses romances triviais de ciúmes e jogo de aparências. Contudo, é impossível não se incomodar que praticamente tudo o que Sakura faz ou fala esteja diretamente ligado à conquista de um homem que não lhe dá o menor valor. E não é nem problema do Sasuke, esse seu jeito sério, misterioso e ambíguo é parte de uma construção muito bem pensada de um anti-herói para rebater o heroísmo do protagonista. O problema está em não oferecer algo a mais a Sakura, que tem o rótulo de inútil, não à toa. O máximo que Kishimoto faz é separar falas que dizem que ela é a mais inteligente do trio ou a melhor dominadora do controle de chakra, mas demonstrar isso na prática que é bom, nada. Nem uma habilidade especial ou tarefa nos arcos ela tem nesta primeira temporada, sendo uma personagem funcional somente quando está em conjunto ao grupo, o icônico time 7.

Graças à construção emocionalmente em conjunto mencionada como o fator de ouro do anime, esse trio e seu mentor Kakashi rapidamente conquistam pelo carisma diversificado e complementar da química, e mais rapidamente ainda porque são jogados na ação, que os desenvolve com uma eficiência tremenda. A saga Zabuza, no balanço geral, é uma grande demonstração prática do universo ninja a ser descoberto e uma etapa até precoce para promover o crescimento dos personagens. O que era uma missão inofensiva se desdobra numa aventura de complexa carga política, movida entre três grandes batalhas espalhadas entre 12 episódios mais ou menos.

Há quem reclame da durabilidade dessas lutas de Naruto, pelas enormes cargas de diálogos durante, ou flashbacks que sempre buscam recapitular algo importante dito anteriormente para contextualizar o que foi dito ou feito no agora, além das explicações didáticas de cada estratégia utilizada logo após serem concluídas. Todos esses pontos são válidos, mas pelo menos nessa saga, como em outras, seguem no fluxo adequado da narrativa, que utiliza esse espaço temporal também como fermento de tensão, uma valorização genuína dos fatos de batalha que possuem uma progressão, de modo geral, bem objetiva ainda. Tratando-se de Zabuza, essa valorização fica mais evidente pelos frutos que colhe. O trabalho em equipe improvisado que fez o time 7 ganhar a primeira luta, mesmo estando um tempo com o Kakashi desabilitado, progride o ensinamento dado do Jounin que os fez passar em seu teste acadêmico, além de contextualizar a rivalidade de Sasuke e Naruto como um princípio de forte amizade também.

Tanto que os dois treinam no intervalo até a luta final na ponte, enquanto as pontas soltas motivacionais deixadas pelo acaso que deu início à primeira luta forçam a narrativa a explorar detalhismos da história do país da névoa, revelando mais camadas que envolvem a missão. Nesse ponto, é necessário frisar que Naruto sabe muito bem, quando quer, valorizar seus entornos de universo. Toda a história de Inari com seu “pai”, herói morto pelo autoritarismo de Gatō, um mafioso local e verdadeiro vilão desse arco, é não só muito tocante como uma abertura perfeita para a introdução do primeiro grande movimento inspirador do protagonista para com o mundo. Especialmente quando tudo se converge a Zabuza e Haku, o jovem especial que o acompanha, com uma força descomunal para a idade, surgindo como um elemento que forçará os personagens jovens a terem que saltar de prateleira para sobreviverem.

Naruto

A batalha de Naruto e Sasuke contra Haku é muito emblemática. É o despertar do Sharingan de Sasuke, além da primeira vez em que Naruto utiliza o poder das Nove Caudas. Momentos de bastante estímulo visual pelo grafismo imponente dos traços do desenho, que sabia valorizar demais a seriedade da ação, equilibrando a violência para dar um sentido de urgência e grandiosidade à sequência, reforçada pelo bom uso da maravilhosa trilha sonora do anime. Mas o triunfo não está só nesses momentos icônicos, mas principalmente na convergência ressignificada das narrativas implementadas. Haku se sacrifica por Zabuza, de novo, uma ação que resulta em um efeito dominó comandada por uma virada muito bem orquestrada do antagonista em seguida. Naruto sempre foi bom nisso, nunca apresentou seus vilões como completamente maniqueístas, há sempre uma humanização por trás da contagem de cada uma de suas histórias, mas essa de Zabuza possui um significado maior e especial na trajetória do anime.

“O jeito ninja de ser” que Naruto tantas vezes falará como seu mantra se origina do aprendizado que ele levará ao fim dessa saga, quando ele confronta a realidade de Zabuza ao não se importar com a morte do seu aprendiz, que basicamente aceitou sua condição como arma e sacrificou tudo por ele, inclusive a vida, acreditando naquilo como uma retribuição do “amor” de ter sido acolhido. Uma realidade que faz parte daquele universo, os ninjas devem ser vistos realmente mais como armas do que pessoas, se não seriam motivo de fraqueza. Assim, treinam, treinam e treinam para um dia morrerem no campo de batalha sem dignidade, com o estigma de terem falhado em sua “missão”. Mas Naruto mudará essa perspectiva, ele criará seu próprio “jeito ninja” depois de ver Zabuza, o primeiro desarmado por ele, desperdiçando sua vida logo após uma grande redenção.

Não coincidentemente chamado de “demônio do gás oculto”, Zabuza vira um dos heróis da revolução ao país da névoa, assim como Naruto, também demônio, é parte desse heroísmo, não só por ter aberto os olhos de Zabuza após derrotar Haku como também ter motivado Inari a converter seu sofrimento de luto pela perda de seu “pai” em um poder de reação para agir como ele, motivando a criar uma corrente com o povo para tentar tirar Gato do poder. Tudo converge perfeitamente no episódio intitulado Zabuza se Dispersa na Neve…, um desfecho simplesmente épico e digno de um dos melhore episódios do clássico.

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A temporada, no entanto, não termina aí. Ainda tem o início de uma saga ainda melhor e uma das minhas favoritas do anime: O Exame Chunin. Essa primeira parcela de episódios pegará apenas a introdução dos demais personagens jovens da idade do trio para expandir o aspecto de competitividade e colegial presente no início da academia. É quando o humor e o didatismo começam a melhorar, porque o jogo de aparências e provocações entre os competidores é naturalmente divertido, além das explicações soarem mais autênticas num contexto de conhecer mais dos novos personagens para gerar expectativas aos confrontos, além de serem regras muito específicas que valem o detalhamento. É um arco também para baixar a bola de Naruto e Sasuke, que apesar de terem crescido bastante em poder na última saga, já iniciam essa levando uma surra de outros personagens, dos quais me atentarei a falar num próximo texto da temporada que de fato se dedica a esse arco.

No entanto, não posso deixar de mencionar o fantástico dueto de episódios finais com a prova escrita do Exame Chunin. Sem dúvidas, dois dos capítulos mais criativos do anime. Digo isso porque a forma dos episódios se adequa ao que eles contam. Há uma tensão genuinamente psicológica elaborada pela imagem, tal como a tensão aplicada nos pormenores da prova que exigia de seus participantes o uso de suas habilidades particulares para conseguirem colar, uma vez que teoricamente eles não tinham capacidade de resolvê-la. É um jeito interessante de didatizar as especialidades de cada um, além de um maravilhoso jeito de colocar Naruto num dilema moral fantástico de sua personalidade.

Naruto não é dos personagens mais inteligentes, então acompanhar seu sofrimento de não conseguir responder nada e ao mesmo tempo não querer colar pelo seu senso de honra – e ele nem desconfia que tinha que colar, só que sem ser visto – é quase um filme de “terrir”, em que rimos de nervoso pelo personagem. Só que melhor ainda é como ele reage a tudo isso, na questão final que basicamente é um “você aguenta a pressão?”, o episódio elabora direitinho a reviravolta de enganação de sua cena de “desistência” para mais um de seus discursos motivacionais, que às vezes cansam, mas às vezes, quando bem construídos, são sensacionalmente impactantes. Esse então é muito empolgante, especialmente para essa fase tão deliciosa do anime.

Naruto

Esses primeiros 25 episódios de Naruto possuem várias irregularidades iniciais de um estabelecimento de premissa por vezes apressado ou demasiadamente didático, mas ganha força emocional na reta final de sua saga Zabuza e entretém no início da saga de Exame Chunin, quando verdadeiramente esse rico universo começa a ser explorado em suas melhores formas. Um início nostálgico de revisitar, e embora não tão impecável quanto minha memória afetiva guardada, ainda é sem dúvidas ótimo e com grandes momentos que ofereceram o melhor que a franquia pode entregar.

Naruto (Clássico) – 1ª Temporada | Japão, 2002 – 2003
Contém: Episódio 01 – Apresentando! Uzumaki Naruto até Episódio 25 – Um Novo Desafio! A Questão 10 que Devo Decidir (Saga Academia Ninja + Saga Zabuza + Saga Exame Chunin).
Showrunner: Hayato Date (Baseado em manga homônimo de Masashi Kishimoto)
Diretores: Hayato Date, Rion Kujô, Harume Kosaka, Kyôsuke Mikuriya, Yasunori Urata, Masahiko Murata, Masayuki Iimura, Kazuyoshi Yokota, Masaaki Kumagai, Toshiyuki Tsuru, Mitsutaka Noshitani, Matsuo Asami, Shinsu Itô
Roteiristas: Katsuyuki Sumizawa, Akatsuki Yamatoya, Satoru Nishizono, Michiko Yokote, Mushi Kôhei
Elenco (Dublagem Original): Junko Takeuchi, Noriaki Sugiyama, Chie Nakamura, Kazuhiko Inoue, Hidekatsu Shibata, Toshihiko Seki, Unshô Ishizuka, Mayumi Asano, Shin’ichirô Miki, Takeshi Aono, Naoki Bando, Misa Watanabe, Shizuka Ishikawa, Akimitsu Takase, Shôtarô Morikubo, Ryôka Yuzuki, Kentarô Itô, Nana Mizuki, Kôsuke Toriumi, Shinji Kawada, Yôichi Masukawa, Kôichi Tôchika, Yukari Tamura, Akira Ishida, Romi Pak Romi Pak, Yasuyuki Kase, Keijin Okuda, Daisuke Egawa, Akiko Koike, Nobutoshi Canna, Ikue Ôtani, Noriko Shitaya, Tomo Shigematsu, Nobuo Tobita, Jûrôta Kosugi, Rumi Ochiai Rumi Ochiai, Masashi Ebara, Taiten Kusunoki
Duração: 25 episódios – 20 minutos cada episódio.

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