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Crítica | Napoleão – Versão do Diretor (2024)

O Corte de Josefina.

por Ritter Fan
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Dentre os vários filmes com que Stanley Kubrick famosamente envolveu-se, mas não conseguiu efetivamente colocar nas telonas, Napoleão foi, sem dúvida, o maior e mais ambicioso deles, com um vasto material de pesquisa e de pré-produção tendo sido disponibilizado em forma de livro muito anos depois para o deleite de cinéfilos. Foram necessárias várias décadas para que o militar francês transformado em Imperador chegasse aos cinemas novamente em uma obra de grande relevo e orçamento, desta vez por Ridley Scott que retorna ao período histórico abrangido por seu primeiro longa-metragem, o sensacional Os Duelistas.

Scott, como sempre constante em sua inconstância, elegeu trabalhar a figura histórica de Napoleão (Joaquim Phoenix) partir de seu amor – talvez obsessão – por sua primeira esposa, Josefina (Vanessa Kirby), em um filme que é ao mesmo tempo intimista e abrangente, detalhista e generalista, perdendo muito de sua força por não se decidir sobre o que quer ser e pelos aspectos levantados por meu colega Fernando Campos em sua crítica de 2023. Apenas para situar o leitor, eu, pessoalmente, não só concordo com a análise do Fernando, como daria a mesma avaliação para a versão que foi originalmente lançada nos cinemas, ou seja, 2,5 HALs e só reiteraria que não me importo absolutamente em nada com as imprecisões históricas, pois trata-se de uma obra de ficção com fundo – e apenas fundo – factual, pelo que não se pode cobrar mais do que lógica interna e a manutenção de elementos basilares do biografado. Quase 10 meses depois desse lançamento, eis que a então já comentada Versão do Diretor é lançada sem alarde no Apple TV+, com 48 minutos a mais de duração, o que é certamente muito, mas menos do que se imaginava. E minha missão, aqui, é discutir exclusivamente mais essa versão do diretor de Ridley Scott, que parece gostar muito de revisitar e mexer em seus filmes.

Para começo de conversa, o corte cinematográfico de Napoleão muito claramente demonstrava ser uma obra maior que foi “podada”, levando a problemas de ritmo e de montagem, com sequências inseridas sem relevância na trama, como é a visita do Tsar Alexandre da Rússia à Josefina quando Napoleão estava exilado na Ilha de Elba e personagens teoricamente importantes sendo abordados, mas, depois, excisados da história sem cerimônia, como são os casos do irmão e da mãe do protagonista. Curiosamente, porém, os 205 minutos da nova versão não resolvem esses problemas específicos. Aliás, se alguma coisa, as sequências e personagens “perdidos” ficam ainda mais perdidos com a duração mais avantajada, o que me leva a crer que ou Scott, como Napoleão, recusou-se a reconhecer seus erros, ou ele achou que as cenas e personagens, como usados, contribuíram o suficiente para o longa.

Mas então o que realmente mudou? Bem, para além de novas sequências rápidas aqui e ali, como a da Batalha de Marengo, a da chegada de Napoleão a Milão e, curiosamente, a reiteração bastante explícita de que o Imperador sofria de hemorroidas, o que Ridley Scott realmente se preocupa em fazer é construir – ou ampliar, como queiram – a história de Josefina. Grande parte da nova minutagem é dedicada a trabalhar a “origem”, por assim dizer, da futura Imperatriz, seus sofrimento, suas motivações e suas escolhas. Considerando que o filme é, se destilarmos sua essência, uma história de amor, essa dedicação do cineasta em dar mais relevo à personagem faz todo sentido e, no final das contas, torna o filme melhor, mais apreciável nesse aspecto. Não é que o corte original não traga as informações necessárias, pois ele traz, mas o Cinema é um meio eminentemente visual e a compassada abordagem da complexa Josefina, de esposa de nobre e mãe de família, a prisioneira esperando a morte, a essencialmente prostituta, até chegar e agarrar-se a Napoleão funciona melhor com mais tempo de exposição, tempo esse que também pode ser usado para o espectador admirar a belíssima direção de fotografia de Dariusz Wolski.

Esse enfoque de quase duas horas – no total – nas várias fases de Josefina permitem que o trabalho de Vanessa Kirby desabroche por completo e cria, no conjunto total da obra ampliada uma conexão maior da vida militar de Napoleão com os altos e baixos de seu relacionamento com a esposa. Diria que um corte ainda mais longo, se ele existir, tenderia a beneficiar ainda mais o filme, mas não sei se haveria melhoras significativas, já que, do corte do cinema para o corte do diretor, as melhorias não são realmente transformativas. Em outras palavras, suspeito que quem não gostou do longa nos cinemas, continuará desgostando igualmente dessa nova versão e quem gostou provavelmente não gostará muito mais (o efeito, aqui, está longe de ser o que foi facilmente sentido com a versão do diretor de Cruzada) ou em ainda outras só que bem mais breves palavras: continua sendo a mesma obra.

A minutagem também beneficiou cinematograficamente a desastrosa campanha napoleônica na Rússia, com a famosa estratégia de Terra Arrasada empreendida pelo exército do Tsar. Scott dedicou uma boa quantidade extra de minutos a ela e conseguiu criar uma atmosfera ainda mais fantasmagórica quando Napoleão finalmente chega a Moscou e, depois, é obrigado a retirar-se em razão da chegada do verdadeiro inverno. É quase como um filme de terror que me fez efetivamente desejar um longa inteiro só lidando com esse recorte da vida militar do Imperador francês. E, melhor ainda, essa derrota fragorosa torna-se ainda mais poderosa aqui, inegavelmente, para mim, a melhor “sequência de guerra” de todas as que o longa aborda, ecoando fortemente até o restante da projeção.

Resumindo, entre as duas versões, fico sem pestanejar com a alongada que Ridley Scott preparou e, como disse, ainda gostaria de ver um “Corte Final” potencialmente ainda mais longo, mas também com a eliminação de algumas cenas aqui e ali como as que mencionei no início da presente crítica. Quem sabe o octogenário cineasta não tem ainda tempo de revisitar mais uma vez sua talvez mais ambiciosa produção? Tenho certeza de que Napoleão – e até Stanley Kubrick – aprovaria!

Napoleão – Versão do Diretor (Napoleon: The Director’s Cut – EUA/Reino Unido, 29 de agosto de 2024)
Direção: Ridley Scott
Roteiro: David Scarpa
Elenco: Joaquin Phoenix, Vanessa Kirby, Tahar Rahim, John Hollingworth, Youssef Kerkour, Davide Tucci, Edouard Philipponnat, Ludivine Sagnier, Matthew Needham, Erin Ainsworth, Thom Ashley, Anna Mawn, Gavin Spokes, Jonathan Barnwell, Hannah Flynn, Phil Cornwell, Cormac Hyde-Corrin, Cesare Taurasi, Arthur McBain, David Verrey
Duração: 205 min.

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