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Crítica | Não Sei Como Ela Consegue

Os desafios da mulher contemporânea.

por Leonardo Campos
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Como anda a situação das mulheres que se dividem entre o mercado de trabalho e os afazeres domésticos? Historicamente, as mulheres enfrentaram barreiras significativas no mercado de trabalho e em casa. Com o movimento feminista e a luta por igualdade de gênero, houve grandes avanços nas oportunidades educacionais e profissionais para as mulheres. No entanto, a busca por equilibrar carreira e família ainda é um desafio considerável, por isso estamos diante da análise de filmes como Não Sei Como Ela Consegue, uma dentre tantas narrativas que debatem o lugar destas personagens sociais nas dinâmicas de participação no intenso fluxo daquilo que chamamos de mercado de trabalho. De acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a taxa de participação feminina no mercado global de trabalho em 2021 foi de aproximadamente 48%, enquanto a dos homens foi de 75%. Isso mostra um progresso, mas ainda há uma disparidade significativa. Ainda sobre a pesquisa em questão, as mulheres ganham em média cerca de 20% a menos que os homens globalmente. Esse número varia por nação, setor e nível de educação, mas a desigualdade salarial de gênero é uma questão muito persistente.

O esforço ao equilibrar trabalho e família pode levar a altos níveis de estresse e esgotamento. Não é preciso ir muito longe. Basta acessar brevemente notícias nos jornais cotidianos, onde estudos indicam que mulheres trabalhadoras relatam níveis mais elevados de estresse relacionado ao equilíbrio entre vida profissional e pessoal em comparação aos homens. Ademais, diversas pesquisas mostram que empresas com maior diversidade de gênero em seus quadros de funcionários, especialmente em posições de liderança, tendem a ter melhores resultados financeiros, maior inovação e um ambiente de trabalho mais inclusivo. Embora tenham sido feitos progressos significativos, muitos desafios ainda são persistentes, especialmente em termos de divisão de tarefas domésticas, desigualdade salarial e representação em vários setores. Mudanças culturais e o comprometimento das organizações são caminhos essenciais para criação de um ambiente onde as mulheres possam prosperar tanto no ambiente familiar quanto profissional. Em Não Sei Como Ela Consegue, lançado em 2011, a situação não é exatamente animadora, mas a proposta de entretenimento entrega o almejado final gratificante, mesmo que ainda esteja longe da realidade de muitas mulheres.

Escrito por Aline Brosch McKenna, isto é, um viés feminino, mas dirigido por Douglas McGrath, ou seja, um ponto de vista masculino, a comédia romântica protagonizada por Sarah Jessica Parker, intitulada adequadamente de Não Sei Como Ela Consegue, apresenta ao espectador momentos de risos soltos, abordagens rapidamente sérias e instabilidades narrativas constantes, mas nada que estrague a sua proposta de entretenimento. Inspirado no livro de Alisson Pearson, o enredo se concentra em Kate Reddy, uma executiva financeira bem-sucedida e que trabalha numa firma de investimentos em Boston. Ela é uma dessas mulheres multitarefas que tentam equilibrar sua carreira exigente com a vida familiar. Casada com Richard Reddy (Greg Kinnear), um arquiteto que recentemente perdeu o emprego e tenta se recolocar no mercado de trabalho, eles têm dois filhos pequenos e precisam organizar as suas rotinas para dar conta dos boletos, da educação das crianças e das necessárias fagulhas para manutenção do casamento, algo legitimado no papel, mas praticamente longínquo diante da rotina exaustiva da protagonista.

Nesse festival funcional de clichês, Kate constantemente luta para encontrar um equilíbrio entre suas responsabilidades profissionais e suas obrigações familiares. Ela precisa lidar com a culpa de não passar tanto tempo com seus filhos quanto gostaria e as expectativas da sociedade sobre o papel da mulher como mãe e profissional. No trabalho, a personagem recebe uma grande oportunidade quando é designada para liderar um importante projeto financeiro. Isso requer viagens frequentes ao vertiginoso ambiente corporativo de Nova Iorque e mais tempo longe de sua família. Durante o processo, ela começa a trabalhar de perto com Jack Abelhammer (Pierce Brosnan), um atraente colega de trabalho que se torna uma possível tentação romântica, disponível para ser acessada a qualquer momento, principalmente pelo fato de se manter distanciada do marido, personagem que assume os filhos enquanto ela trabalha arduamente.

Sua amiga e confidente, Allison Henderson (Christina Hendricks), também é uma mãe trabalhadora que a apoia, enquanto sua assistente, Momo Hahn (Olivia Munn), uma ambiciosa e pragmática jovem, se mostra ser uma valiosa ajuda no escritório. Os conselhos oriundos de ambas as partes equilibram as passagens mais cômicas e eficientes da produção, nos entretendo, mas também fazendo refletir sobre os privilégios masculinos ainda vigentes no contemporâneo, quando comparamos as rotinas das mulheres que assumem a casa e o trabalho. Kate enfrenta desafios contínuos para se provar no trabalho, sendo constantemente julgada por suas escolhas como mãe. Ela experimenta várias situações, desde tentar levar, com alguma sanidade, os filhos para a escola, bem como participar de eventos importantes no trabalho. É uma organização de agenda que requer gestão milimétrica do tempo e da produtividade, numa era onde ainda se romantiza as jornadas exaustivas de trabalho como um símbolo para o sucesso.

Eventualmente, a protagonista de Sarah Jessica Parker percebe que algo precisa mudar para que ela possa manter a sanidade e ser feliz. Assim, ela decide buscar um equilíbrio mais sustentável entre sua vida profissional e pessoal, fazendo ajustes em sua carreira e nas prioridades familiares. Não é um processo fácil, mas evolutivo, permitindo que a comédia aborde, mesmo que superficialmente, temas universais como o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, situação acompanhada das pressões sociais enfrentadas pelas mães que trabalham. No livro de Alisson Pearson e no texto dramático de Aline Brosch McKenna, a personagem principal nos faz refletir sobre a importância de encontrar um equilíbrio que funcione para cada indivíduo e a necessidade de apoio, compreensão e adaptação na busca pela realização pessoal, principalmente na época em que vivemos, onde tantos casos sobre adoecimento no âmbito do trabalho têm invalidado indivíduos brilhantes. Na mensagem sobre resiliência, o filme aborda a necessidade de compreensão dos nossos valores e prioridades, apesar das expectativas externas.

Visualmente, nos encontramos diante de uma narrativa padronizada conforme a cartilha hollywoodiana. Sem nada de necessariamente especial, mas esteticamente funcional. A direção de fotografia de Stuart Dryburgh dosa com equilíbrio o momento de se aproximar ou se afastar dos personagens, bem como a hora certa de enquadrar as cenas em planos abertos, para que contemplemos o caos que é a vida da protagonista. O design de produção de Santo Loquasto, longo parceiro do cineasta Woody Allen, concebe adequadamente os ambientes domésticos e corporativos, erguidos em contraste para o devido fluir das propostas dramáticas da narrativa. Os figurinos também são eficientes. Assinados por Renee Ehrlich Kalfus, eles trajam os personagens conforme as suas necessidades dramáticas, os deixando alocados diante de seus espaços narrativos. Por fim, temos a empolgante, mas nada memorável trilha sonora de Aaron Zigman, textura que embala a jornada dessa protagonista que representa muitas das mulheres desafiadas no contemporâneo, culpadas pelo distanciamento de sua família, mas pressionadas pela importância de se manter relevante em um mercado de trabalho que descarta profissionais com a mesma facilidade que fabrica outros novos.

Nem de longe uma obra-prima, mas tampouco ofensivo como muitos exemplares do tipo.

Eu Não Sei Como Ela Consegue (I Dont Know How She Does It, Estados Unidos – 2011)
Direção: Douglas McGrath
Roteiro: Aline Brosh McKenna
Elenco: Sarah Jessica Parker, Pierce Brosnan, Greg Kinnear, Christina Hendricks, Kelsey Grammer, Seth Meyers,
Olivia Munn, Jane Curtin, Mark Blum
Duração: 114 min.

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