Home FilmesCríticas Crítica | Não Se Preocupe, Querida

Crítica | Não Se Preocupe, Querida

Só dá para molhar os pés.

por Felipe Oliveira
5,8K views

Quando Olivia Wilde fala de seu mais novo filme, há um sentimento forte, contido, como se referisse a algo incrivelmente concebido e garantido, a começar pelo que acredita sobre o potencial da história. O que talvez seja crível, afinal, em comparação a seu primeiro longa no cargo de diretora, a aclamada comédia indie Fora de Série, Não Se Preocupe, Querida é um grande salto, o que se prova ao trabalhar com um elenco de prestígio liderado por Florence Pugh além da mudança de gênero, agora para um thriller psicológico com toques de ficção científica. Contudo, se há algum traço de tensão no que se espera de um thriller e do que o longa quer repercutir, isso ficou com as várias intrigas, polêmicas e rumores dos bastidores, que continuam surgindo sobre um filme incapaz de impactar como imagina.

Em entrevista, Wilde comparou curiosamente o seu segundo longa a Matrix, O Show de Truman e A Origem, embora as semelhanças com o suspense Mulheres Perfeitas sejam notórias. Então, temos uma utopia que se passa na década de 50, trazendo uma idílica comunidade no deserto da Califórnia vivendo numa realidade aparentemente perfeita, até que Alice (Pugh) presencia um episódio traumático e começa a questionar o seu entorno. Para um filme que almeja manipular a percepção da audiência conforme a trama desenrola, a direção de Wilde sofre de um problema nesse quesito, quando não consegue nem capturar a atenção e convencer do modo de vida dos personagens, e que a sistemática que rege a vizinhança é atrativa.

A ideia era embarcarmos na sinergia que denota o suspense e no que os personagens acreditam, principalmente Alice, para quando a dúvida pairasse, começássemos também a questionar, guiados pela percepção da protagonista. Porém, há um senso de obviedade que em nenhum momento consegue ser discreto, ou isso é um deslize que vem da direção afobada que não se contenta em deixar escancarado que o mote irá sofrer uma reviravolta. Essa impressão de como Wilde não disfarça tão bem a falsa natureza e moralidade na trama é evidente em poucos minutos, o que se torna um ponto frouxo, uma vez que era necessário o público acreditar na lógica proposta, e ainda que desconfiasse da possibilidade, a configuração de como o mistério seria passado faria o papel de prender a atenção de forma que as substâncias soassem atraentes, contudo, não bastando esse ser um dos fatores que tiram a graça, há muitos mais obstáculos que Wilde cria na maneira que conduz a história, o que termina tirando a força da discussão pretendida.

A impressão é de que Wilde pegou algumas inspirações fílmicas para compor o tom de estranhamento e de realidade distorcida a fim de conceber um afunilante thriller psicológico feminista, mas, além de não fechar as pontas, no pensamento eufórico e confiança do potencial da história, sufocasse o que poderia atingir com sua ideia. O que bem, sem contar as questões externas que marcaram a produção, Don’t Worry Darling carrega uma gama de expectativa por conta da dupla de protagonistas: a talentosa e energizante Pugh, e a estrela do pop Harry Styles. Cada lado do fandom e que aprecia o trabalho dos artistas detém uma bagagem que irá se encontrar pelo que esperam do filme, de um jeito ou de outro. O marketing para o longa é de que ambos vivem um intenso relacionamento repleto de sexo e brigas, e embora isso tenha um significado no que a trama desenvolve, faltou caltela na retratação do sexo, que termina se resumindo numa hipersexualização de Pugh. Por incrível que pareça, Styles se mostra bem no papel de Jack, o esposo de Alice, o problema é quando precisa atuar. Na maior parte do tempo, a aparição do cantor é vista nas várias sequências quentes, com poucos diálogos, mas ao apostar nessa ótica, acreditando que seria fundamental para os vindouros twists, Wilde não percebeu o quanto isso tira o foco no que poderia ser dedicado para alinhar em como o escopo social faria sentido, numa realidade que não se trata só do casal protagonista.

Em alguns momentos, nas cenas entre Alice e Jack, Styles acerta graças ao domínio de Pugh em transmitir a decadência emocional que a relação vai atingindo, porém, quando o ator e cantor precisa conduzir a cena por conta própria, é perceptível o pânico pela inexperiência frente a um elenco afiado. Há um trecho em específico quando Frank (Chris Pine) está demonstrando toda sua tirania caricata como líder da comunidade e do projeto Victory, e divide o instante com Jack, esse despreparo de Styles fica evidente quando ele não sabe reagir nem seguir a pretensão da cena. Mas Wilde vendeu bem esse peixe com uma grande performance do Styles, que aqui mais se limita ao apelo sexual do que construção de personagem.

Dito isso, o desenvolvimento de personagens e como isso reverbera na lógica do mistério, é mais um problema aqui. Sem qualquer sombra de dúvidas, Pugh é o grande centro do filme, não só por ser a protagonista, mas porque sua brilhante apresentação e autenticidade faz valer o que o roteiro e a direção de Wilde não funcionam. Então, é graças a Pugh que dá para extrair alguma força, algum sentimento que motive o filme além das muitas intenções mal trabalhadas, uma vez que os demais personagens não tiveram a mesma sorte. Num trecho em questão, a câmera é usada em primeira pessoa para representar a chegada de Shelley (Gemma Chan) na aula de balé. Naquele momento, não conhecíamos sua personagem, mas contemplamos a tensão das alunas que a encaram, e em um movimento de push-in, o plano vai se fechando enquanto Alice observa Shelley transitar e parar na sala. É um recurso interessante para causar o desconforto para uma figura desconhecida, mas depois disso, a ideia sobre o que ela pode ser e causar é totalmente esquecida. Nisso, a participação de Chan mais se resume a um falso alarde como nome no elenco, o que é lamentável, uma vez que não vemos sua escalação compensar. Do mesmo modo, acontece com Margaret (Kiki Layne), peça fundamental para a mudança de Alice, mas que termina ficando na limitação de um arco trivial e sem nuances.

Ao ter uma história que se passa nos anos 50, é como o roteiro utiliza esse fundo para pavimentar suas alegorias ao idealizar uma comunidade experimental onde as mulheres desempenham um papel de submissão como esposas e donas de casa, e os homens os de líderes e supridores. Soma-se isso a regra de que as mulheres devem respeitar os limites impostos e de não questionarem as razões por trás do projeto Victory — daí a concepção por trás do título. Porém, enquanto por boa parte da trama o longa sintetiza essa configuração sobre subjugação, patriarcado e gaslight, a lógica estabelecida começa a não fechar quando é revelado outras motivações para alguns dos personagens, além da ideia de uma realidade utópica que reproduz um sistema opressor como se fosse um estilo ideal. O que não dá é transformar todos os furos numa possível interpretação no viés feminista que o filme preza, diante das tomadas de decisões fracas buscando impactar abruptamente com reviravoltas incoerentes.

Nisso, surge a discrepância em como o sexo é representado e em como o roteiro reserva a suposta justificativa para a persistente hipersexualização de Wilde. O problema é que as várias sequências onde a dupla principal protagoniza transmitem uma vibe problemática dentro do que o ato final quer discutir apressadamente. No geral, Não Se Preocupe, Querida teve a sorte de contar com Pugh, a responsável por sustentar um filme repleto de intenções, mas que nunca consegue sair da sensação de algo raso e pretensioso. É mais sobre o que imagina ser do que o que jamais realmente atinge.

Não Se Preocupe, Querida (Don’t Worry Darling – EUA, 2022)
Direção: Olivia Wilde
Roteiro: Shane Van Dyke, Carey Van Dike, Katie Silberman
Elenco: Florence Pugh, Harry Styles, Olivia Wilde, Chris Pine, Gemma Chan, Kiki Layne, Sydney Chandler, Kate Berland, Nick Kroll, Asif Ali, Timothy Simons
Duração: 122 min

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais