A disseminação de obras que tratam do tema “homossexualidade” possui, em nosso século, dois grandes motivos, um passional e outro histórico. O primeiro, é a ligeira simpatia que algumas mídias e personalidades públicas demonstram em relação “à causa”, trazendo à luz da vida social “aqueles” que, por uma série de fatores – que vão do cristianismo à homofobia –, foram socialmente treinados para pensarem que possuem sérios problemas e precisam ser convertidos, tratados, consertados e coisas afins. Essa simpatia, no entanto, não surgiu por um milagre secular. Trata-se de uma onda de mudanças na percepção sociocultural do mundo, iniciada a meio século, com o movimento hippie. Depois das mulheres e dos negros, os gays encontraram um fértil campo histórico para trazerem à tona discussões sobre leis, direitos humanitários, representatividade política, e principalmente, respeito.
Livros, filmes, músicas, revistas, novelas, todo tipo de produção artística ou editoral tem voltado parte de sua demanda para o público gay. Vive-se um momento em que não mais é possível desconsiderar a diversidade sexual. Um problema, no entanto, surge daí: quando essa diversidade torna-se “modinha”, e parte dos que aderem a ela fazem-no apenas por seguir a “onda da vez” e depois perdem-se na correnteza, não sabendo direito como voltar. A colocação é polêmica, mas se pensarmos um pouco na horda de andrógenos e “falsos gays” surgidos após a explosão emo no Brasil, um certo consenso há de surgir. Seguindo essa deplorável linha, a revista VEJA de Maio de 2010 trouxe uma das piores, desprezíveis e lastimáveis matérias sobre o tema, cuja capa já prenunciava a regressão ideológica que conteria dentro: “Ser Jovem e Gay – a vida sem dramas”. Ninguém vive sem dramas no século XXI! Mas para a revista VEJA não. Principalmente se você for gay. Sem comentários…
Depois disso, faltava surgir no Brasil alguma coisa que não fosse ficção (porque nesse campo temos muita coisa em circulação) e que abordasse com bastante veracidade a temática da vida, atitude e postura gays. E eis que André Matarazzo e Gustavo Ferri uniram-se para dirigir um documentário de curta-metragem chamado Não Gosto dos Meninos (2011), a versão brasileira de It Gets Better, um projeto da Pixar que tem por objetivo trazer nova luz à publicidade daquilo que é o “ser homossexual”. E na confecção de sua versão para o tema, os diretores acertaram em cheio.
O documentário tem apenas 18 minutos de duração, mas a abordagem positiva e ao mesmo tempo cautelosa (no sentido de não deixar transparecer que a vida, em qualquer orientação escolhida, é um jogo fácil) dizem muito mais do que um longa diria a respeito. Homens e mulheres de diversas idades são convidados a falarem de sua percepção inicial como sendo “diferentes dos outros”, até uma espécie de “epílogo”, com mensagens de esperança para aqueles que ainda não conseguem lidar com a situação por si só. O curta é um novo fôlego à cinematografia documentarista queer no Brasil, algo realmente genuíno e, dado o que temos de produções nacionais a respeito, mais do que necessário.
A minha única pendência com o filme se encontra no plano técnico, especialmente na montagem, mas isso não lhe retira o mérito de ser um ótimo filme. E, melhor do que uma boa parte dos meios que comunicação, que teimam em imprimir uma “legenda negra” ou uma “legenda rosa” sempre que se trata desse tema, Não Gosto dos Meninos imprime apenas uma legenda, não produzida em estúdio e feita à guisa de um resultado estatístico, mas sim com pessoas de verdade, com emoções, tristezas, felicidades, conquistas e amores de verdade, e por isso mesmo, ultrapassa o verniz taxado e engessado do “cidadão queer” a que me referi no título. Não Gosto dos Meninos fala sobre a vida de um grupo de pessoas. A direção que deram às suas vidas é apenas um detalhe. Isso sim é cinema de documentário. Mais uma pérola inestimável do cinema nacional.
Não Gosto dos Meninos (Brasil, 2011)
Direção: André Matarazzo e Gustavo Ferri
Roteiro: André Matarazzo e Gustavo Ferri
Duração: 18min.