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Crítica | Não Abra! (2023)

Analogias, simbolismos e um terror familiar.

por Felipe Oliveira
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Não seria novidade dizer o quanto o terror e seus subgêneros oferecem ferramentas para se trabalhar vários temas, convenhamos. A exemplo de Sorria, longa tido como um dos títulos mais lucrativos na categoria no ano passado, trazia uma alegoria sobre traumas e saúde mental; porém, podemos ter casos como o clássico remake nipônico de O Chamado sendo um eficiente terror sobrenatural com uma típica maldição como mola narrativa. E se tratando da estreia de Bishal Dutta na direção, um dos destaques em SXSW, Não Abra!, remete a familiaridade do horror sobrenatural e psicológico que tem marcado o cinema americano, mesmo para uma história que se vende com um frescor cultural para os filmes do nicho.

Vestindo seu longa como um coming of age sombrio, a todo tempo o roteiro escrito por Dutta em parceira com Ashish Mehta reflete um terror convencional, porém, é evidente que a execução de Dutta busca dar uma nova roupagem ao terror sobrenatural que conhecemos, tanto que os primeiros minutos de It Lives Inside se concentra em apresentar sua protagonista enquanto deixa a espreita o suspense em como o horror sobrenatural irá surgir. Essa não seria uma tentativa de subversão e sim de trazer uma abordagem diferente a esse terror que soa familiar; e nesse sentido, há de se reconhecer o esforço criativo de Dutta em não entregar o mais do mesmo em um trabalho ambicioso e visualmente forte — o que entra a fotografia com tons em vermelho e laranja de Matthew Lynn. 

Como inspiração, Dutta se baseia na própria história para definir os dilemas de Samidha (Megan Suri), sua protagonista; uma adolescente indiana-americana em conflito com sua identidade cultural e que tenta se encaixar numa escola majoritariamente branca. A partir disso, o roteiro quer trazer o terror alegórico como forma de representar essa crise, e a única maneira que Dutta e Mehta arranjaram foi criar um desentendimento entre Sam e a ex-amiga como evento propulsor que liberta uma entidade demoníaca que alimenta de sentimentos negativos, amargura, raiva… a intenção por trás dessa premissa seria de fazer com que a abordagem superasse a trivialidade da trama de um mal que se aproveita da fragilidade humana, principalmente para uma jovem imigrante. 

Em síntese, é ótimo que Dutta quisesse trazer um contexto cultural que serve como base para um filme de terror, porém, suas intenções não são o suficiente quando It Lives Inside sufoca seu processo criativo com um narrativa excessivamente genérica, se fazendo, assim, um filme de promessas. Em alguns momentos a ideia de fazer os personagens reagirem a uma entidade que só eles estão vendo se assemelha bastante a abordagem de Corrente do Mal, terror psicológico que falava sobre doenças sexualmente transmissíveis. Porém, com um olhar mais atento, é notório que Dutta realiza mais um ensaio em que o elenco não consegue reproduzir os elementos típicos de um longa do gênero do que um filme memorável por sua direção, como parecia. Logo, o longa ambicioso passa a preencher a narrativa arrastada com jumpscares.

Seja em sonhos ou em trechos em que a protagonista precisa olhar para o armário para se mostrar assustada, a suposta atmosfera psicológica que vai devorando a sanidade de Samidha nunca se mostra eficiente. A narrativa perde força quando todas as ideias dramáticas da trama parecem soltas; sugestões incompletas de um roteiro que se baseia em elementos genéricos para compor seu terror. E mesmo sem construir tão bem uma atmosfera, os momentos mais inspirados com a entidade de origem hindu, Pishach, se faz um exercício cansativo, se estendendo em longas tomadas como demonstração de um terror fora da curva sendo executado. 

Diferente de Sorria, que assumia a inspiração com outros filmes na construção de sua mitologia, além de It Follow, Não Abra! remete a O Grito (os sentimentos obscuros com elementos para a entidade) O Chamado (o tempo de 7 dias para a “maldição” cumprir seu ciclo, e também a “aparição” de Sadako para a protagonista) e O Babadook ao inserir um desfecho metafórico da protagonista finalmente lidando com a não aceitação de identidade. Com o status de um dos longas de terror prestigiado do ano, a estreia de Dutta carece de profundidade para fazer esse horror de disrupção de sanidade e assimilação seja sentida além da carga genérica e pouco autoral dessa trama feita de promessas. 

Não Abra! (It Lives Inside – EUA, 2023)
Direção: Bishal Dutta
Roteiro: Bishal Dutta, Ashish Mehta
Elenco: Megan Suri, Neeru Bajwa, Mohana Krishnan, Betty Gabriel, Vik Sahay, Gage Marsh
Duração: 99 min.

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