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Crítica | Nada de Novo no Front (2022)

Remarque atemporal e, infelizmente, verdadeiro.

por Ritter Fan
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Há uma discussão potencialmente interessante – que não pretendo chegar nem próximo de esgotar – sobre filmes antibelicistas que fazem uso de belíssimas composições de quadros e de deslumbrante fotografia mesmo em seus momentos mais terríveis, artifícios que podem ser interpretados como formas de se suavizar o horror e de sobrepor a forma sobre a substância. Obviamente que qualquer conclusão sobre o assunto dependerá do caso concreto, mas minha tendência natural é considerar a beleza estética de uma obra desta natureza como uma maneira de amplificar seu choque, sua força, sua tragédia ao criar fortes antíteses visuais  e creio que seja exatamente isso que a magnífica cinematografia de James Friend consegue evocar em Nada de Novo no Front, terceira adaptação audiovisual do clássico romance de Erich Maria Remarque, publicado pela primeira vez em 1928.

O poder da imagem, no longa dirigido pelo alemão Edward Berger, é particularmente importante, pois ela é imediatamente capaz de criar sentimentos opostos no espectador de atração e repulsão, algo que é mantido constantemente no subtexto narrativo que acompanha a jornada do jovem alemão Paul Bäumer (Felix Kammerer) de patriota inocente e seguidor de seus amigos que alegremente se alista para lutar na Primeira Guerra Mundial contra o desejo de seus pais e é arremessado nas batalhas de trincheiras da frente ocidental e que, aos poucos, na medida em que testemunha os horrores, perde seus amigos e é obrigado a cometer atos chocantes, vai perdendo a vitalidade e a vontade de viver. Diferente da abordagem rasa que a (também belíssima) imagem proporciona no recente 1917, por exemplo, aqui ela é parte integral da transformação de Paul, seja pela forma como ele muda fisicamente em um trabalho impressionante de maquiagem, seja pelo uso delicado, mas angustiante da cor vermelha pontuando seu caminho cercado de mortes, seja, finalmente, pela dessaturação geral que destaca a tragédia não como espetáculo, mas como a personificação do que eu pessimistamente chamo apenas de natureza humana, sempre tendente à destruição.

Somando-se ao visual capaz de fazer de crateras de sangue obras de arte dignas de serem enquadradas e penduradas na parede, há a assombrosa trilha sonora disruptiva e propositalmente incômoda composta por Volker Bertelmann, que por diversas vezes me lembrou do trabalho vanguardista e ousado de Mica Levi, em Jackie. Como no filme de Pablo Larraín, a sincronização musical nada na direção contrária de trilhas sonoras mais tradicionais que tendem a “desaparecer” no contexto da obra, despertando bruscamente o espectador como o aviso de um bombardeio ou ataque próximo, algo que apenas de longe lembra o estilo mais histriônico e desarmônico que Hans Zimmer fez ficar em voga.

Não é sem querer que foquei meus comentários iniciais nos elementos visuais e sonoros, pois o lado dramático do elenco é, nesta versão do livro de Remarque, algo de importância relativa menor. E não afirmo isso como algo negativo, pois não é definitivamente o caso. Sim, os soldados e talvez principalmente os oficiais são mais arquétipos do que personagens desenvolvidos, mas todos eles, inclusive o belicoso (em seu conforto) e perigosamente caricatural (com direito a um enorme cachorro preto) General Friedrichs (Devid Striesow) que não vê razão para um soldado existir sem a guerra, funcionam muito bem em suas funções. Claro que o destaque fica com Paul, já que é quase exclusivamente sob seu ponto de vista que acompanhamos a história, havendo espaço para a magnífica sequência em que ele mata com as próprias mãos pela primeira vez, algo que Berger captura com maestria usando de planos-detalhe até planos abertos e um semi-plongée de tirar o fôlego e em que Kammerer investe toda sua latitude dramática com grande efeito.

Com o benefício histórico que, por razões óbvias, nem o livro original, nem o clássico longa de 1930 dirigido por Lewis Milestone, tiveram, o roteiro que Berger co-escreveu com Lesley Paterson e Ian Stokell não só reitera a mensagem de que não há vencedores em uma guerra, como trabalha uma ponte entre as duas Guerras Mundiais ao inserir sequências encabeçadas principalmente por Daniel Brühl como Matthias Erzberger, o homem que assinou o armistício com todas as exigências feita pelo comando aliado do General Ferdinand Foch (Thibault de Montalembert). Essas sequências também usam o contraste para chocar, opondo o luxo dos oficiais do alto escalão de ambos os lados com a vida espartana dos soldados nas trincheiras, mas pecam ao quebrar o ponto de vista único de Paul Bäumer. Esse é um pecado que me deixa dividido, vale dizer, pois ele de um lado tem lógica histórica, mas, de outro, retira o foco do soldado enlameado que precisa correr de peito aberto e rifle com baioneta contra os tanques Saint-Chamond, que é minha preferência particular, confesso.

O poder imagético de Nada de Novo no Front é hipnotizante, mas ao mesmo tempo desconcertante, isso quando não é agoniante em sua capacidade de amplificar a sensação de horror claustrofóbico e de perda da inocência e da mais pura insensatez – e, infelizmente, inevitabilidade – da guerra. James Friend pode não chegar no mesmo nível de qualidade da adaptação de 1930, mas ele faz todo o esforço possível para chegar muito próximo de sua própria maneira e, no processo, transformar sua obra em mais um imponente e relevante lembrete de que, realmente, por mais que teimemos em nos iludir, o mundo e a humanidade não mudaram tanto assim. Não há mesmo nenhuma novidade no front

P.s.: Chega a ser um acinte que esse filme não tenha sido distribuído nos cinemas por aqui nem que fosse em circuito limitado…

Nada de Novo no Front (Im Westen nichts Neues – Alemanha/EUA/Reino Unido, 28 de outubro de 2022)
Direção: Edward Berger
Roteiro: Edward Berger, Lesley Paterson, Ian Stokell (baseado em romance de Erich Maria Remarque)
Elenco: Felix Kammerer, Albrecht Schuch, Aaron Hilmer, Moritz Klaus, Adrian Grünewald, Edin Hasanovic, Daniel Brühl, Thibault de Montalembert, Devid Striesow, Andreas Döhler, Sebastian Hülk
Duração: 147 min.

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