- Há spoilers. Leiam, aqui, as demais críticas.
E, depois de um episódio natalino decepcionante, finalmente chegamos ao já tradicional e aguardado episódio “de origem” de Mythic Quest. Na primeira temporada, tivemos o fantástico A Dark Quiet Death que lidou com o ciclo criativo de um videogame como uma alegoria aplicável também à série e com uma conexão física com ela, mais especificamente a sede da empresa. Na segunda, tivemos o incrível Backstory! que contou a origem de C.W. Longbottom, o personagem de F. Murray Abraham, com direito à emocionante dobradinha com Peter que trouxe essa história de um passado distante para o presente, com participação especial do saudoso William Hurt. Agora, com Sarian, é a vez de Poppy e Ian ganharem seus passados, culminando com o momento em que eles se conhecem.
O episódio, portanto, conta duas histórias trabalhadas como paralelas, mas que são separadas temporalmente por 14 anos e também espacialmente por milhares de quilômetros, uma focando no Ian criança em 1987 (Judah Prehn) nos EUA e a outra na Poppy criança (Isla Rose Hall) de 2001, na Austrália, com a convergência vindo, apenas, nos minutos finais. São origens que, se pensarmos bem, não eram absolutamente necessárias para compreendermos melhor os personagens, suas motivações e suas obsessões, ou que contivessem temas particularmente complexos para abordar, mas o carinho do roteiro de Katie McElhenney com os personagens em suas versões mirins é contagiante e emocionante, tornando o episódio valioso mesmo assim.
A história que melhor ecoa é a do jovem Ian que não consegue se concentrar nas aulas por estar sempre no literal mundo da lua, pensando em detalhes de um planeta imaginário, o que, claro, está em perfeita consonância com a caracterização de pensador visionário de sua versão adulta. A força de sua história, porém, está em sua mãe Sarah (Lindsey Kraft) que cuida dele apenas com a ajuda de seu pai e mesmo sofrendo de distúrbios mentais que a deixam completamente incapacitada. A construção do episódio, porém, não nos dá pistas claras disso no começo. Ao contrário, Sarah é o tipo de mãe que, independente de qualquer coisa, está ao lado do filho, compreendo suas necessidades e impulsionando aquilo que ele tem de especial, o que leva à maravilhosa sequência em que os dois, em uma papelaria, transportam-se para o sistema solar criado por Ian.
É somente em seguida que tudo desmorona e descobrimos do problema que aflige Sarah e que leva o pai ausente de Ian a brigar por sua custódia, aparentemente pouco ligando para a ex-esposa. A reviravolta narrativa, por assim dizer, é consideravelmente inesperada e tristíssima, ainda que seu fim seja talvez abrupto demais e, portanto, de pouca ressonância dentro do episódio, especialmente se não houver planos de dar alguma continuidade à questão no presente como aconteceu com Longbottom.
No lado de Poppy, é assustador, para começo de conversa, como Isla Rose Hall parece uma clone jovem de Charlotte Nicdao, seja a aparência, seja o timbre de voz, seja o sotaque. E, talvez influenciado por isso, o roteiro não tenha arriscado quase nada nessa linha narrativa, apresentando a jovem como uma inveterada jogadora de Final Fantasy que manipula o pai amoroso para jogar sempre que pode, para desespero da mãe que quer que ela treine uma música no piano para um recital da escola. Quando eu digo que a história não arrisca, quero apenas dizer que a Poppy jovem é, em essência, exatamente igual em tudo à Poppy adulta, sem dramas familiares maiores do que o “conflito” entre videogame e piano e o fato de a família se recusar a ter internet em casa com receio de a filha mergulhar mais ainda em seu vício.
Mesmo assim, porém, há muito o que apreciar sobre essa mini-Poppy para além da semelhança entre as atrizes e o ambiente geralmente feliz e iluminado. Percebe-se o deslumbramento da menina com FF e, mais ainda, quando ela descobre o primeiro jogo criado por Ian que dá nome ao episódio e que é a reunião de seu nome com o da mãe no momento em que ela consegue chegar à biblioteca local – novamente, manipulando o pai de forma a ganhar uma bicicleta que a permita chegar lá – para finalmente ter acesso à internet, revelando toda sua astúcia. Quando ela, já adulta, assiste uma palestra no MIT dada por um Ian com uma barba absurda, a conexão entre os dois é imediata e muito simpática e engraçada com ele completamente egocêntrico e ela completa e brutalmente honesta já deixando evidente que, dali em diante, eles jamais se separariam profissionalmente.
Dentre os três episódios de origem até agora, Sarian, apesar de excelente, pareceu-me o mais fraco. Por outro lado, ele parece – ou pelo menos eu assim espero – dar o tom para os três episódios finais, retornando o foco à dupla principal e sua empreitada solo que vinham ficando razoavelmente de lado, abrindo espaço para os demais personagens se desenvolverem. Claro que isso pode mudar se, por acaso, Sarian tiver uma continuação direta ou, pelo menos, os eventos que aprendemos nele conversarem diretamente com outros no presente. Seja como for, descobriremos em breve!
Mythic Quest – 3X07: Sarian (EUA, 16 de dezembro de 2022)
Criação: Rob McElhenney, Charlie Day, Megan Ganz
Direção: Megan Ganz, Todd Biermann
Roteiro: Katie McElhenney
Elenco: Judah Prehn, Isla Rose Hall, Lindsey Kraft, Dionysio Basco, Casey Sander, Robert Picardo, Hayley Magnus, Sam Witwer, Rob McElhenney, Charlotte Nicdao
Duração: 28 min.