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Crítica | Murderville – 1ª Temporada

Um detetive que nos faz rir com parceiros nem tão criativos.

por Davi Lima
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murderville

A famosa voz de Will Arnett (Bojack Horseman) agora dá lugar ao personagem detetivesco chamado Terry Seattle, nessa nova série distribuída pela Netflix e produzida pela Electric Avenue adaptando  o sucesso britânico chamado Murder in Successville. O mote principal de Murderville é chamar artistas famosos em  Hollywood  para fazer improvisos com  tramas que misturam levemente black stories – jogo de cartas sobre desvendar assassinatos – como escape room -, jogo de fuga de cenários que contam histórias – dentro das regras do whodunit – e jogo narrativo de histórias em que a revelação do assassinato é o foco geral. 

O detetive Seattle, de Arnett, tem papel principal de contribuir para o desafio do improviso dos convidados e sugerir as pistas dos cenários para que os artistas definam quem cometeu o crime que engatilha cada capítulo da série. Nesse sentido, a voz marcante do protagonista e sua interpretação de um tragicômico homem divorciado e carente de sua falecida parceira Lori (Jennifer Aniston) é o material ficcional inspirado para os improvisos episódicos do buddy cop com novos parceiros famosos a cada episódio. No entanto, os aspectos de reality show do programa conflita com a necessidade dos improvisos se tornarem atuações de contexto, tornando essa primeira temporada sem graça pelo excesso de decoro e nervosismo dos participantes que ficam confusos entre entrar na piada e resolver o whodunit.

Se a ideia de um reality show é colocar famosos ou não famosos num contexto jogável, para se ganhar prêmios ou pontos com o público, Murderville apenas se diferencia por partir de um material ficcional e  depois introduzir os moldes da vida real do artista se adaptando ao que Arnett pensa com os roteiristas para engatilhar bons improvisos. Isso é um grande tiro no escuro, se depender dos famosos, pois existe o medo que paira em Hollywood em extrair humor mais crítico e de paródia como de Ricky Gervais no Globo de Ouro em 2020, ou como a comédia britânica original de Successville, que em vez de  convidar Adele, se utilizou de uma atriz para interpretar a cantora  no jogo de investigação. 

Por isso, assim como The Office teve que tornar Michael Scott (Steve Carell) mais simpático em relação à versão britânica criada por Gervais, Arnett se segura, criando um personagem menos imprevisível para possíveis incômodos com os convidados, ao mesmo tempo que os famosos sem roteiro vão demonstrando ter poucos dotes teatrais fora de recortes menos programados, mesmo que Murderville contenha dose suficiente de cortes de cena e câmeras que parecem facilitar bastante improvisos mais inspirados. Mas não é isso que acontece. 

As piadas mais físicas e a dificuldade de alguns artistas manter o decoro da seriedade ao lado de Arnett podem te fazer rir muito, entre o improviso ativo e a quebra de expectativa pelas reações passivas. Entretanto, a boa proposta da série que mistura vida real implícita com ficção criminal mais explícita não fura bolhas do estrelato nem cria alguma paródia, apenas mostra o quanto elas são herméticas em volta de nichos diferentes. Para dar exemplos mais diretos, Marshawn Lynch, jogador de futebol americano do Seattle Seahawks, atrai um público diferente, mesmo que não seja tão engraçado nem bom ator para improvisar. Mesmo que o detetive Seattle busque engrenar o jogador em situações que envolvem sua força, não há muito da vida real de Lynch em sua tentativa de atuar, nem em sua atuação algo que interaja com sua vida de jogador. A série entrega o cenário da diversão, mas os personagens parecem nunca se entregar completamente à proposta.

É uma grande verdade que independente da limitação para a comédia, como no episódio da Sharon Stone, que na medida do possível se solta, ou com Annie Murphy, super nervosa para acertar o assassino do seu caso, Arnett leva o programa nas costas, junto com Haneefah Wood, a delegada chefe do detetive. Parece fácil dizer isso quando eles têm  mais material de roteiro para interpretar, mas tratar com atores ou não atores sem roteiro e interagir como se tivessem, pode ser ainda mais difícil.

Também é preciso dar o braço a torcer tanto para a dificuldade que é o improviso quanto  para a qualidade da série que pretende criar  um buddy cop de improviso, como se os diretores Iann Morris e Brennan Shroff trabalhassem para o showrunner Krister Johnson tentando criar um suspense com boas quebras de expectativas, tão tragicômicas e leves como o detetive Seattle. Ainda assim, o improviso como base de venda da série também é uma expectativa em cima de uma peça de teste, algo que fragiliza a série quando se compara o episódio com Kumail Nanjiani com o de Ken Jeong, ambos com humor físico mais forte e artistas dispostos a improvisar, mas apenas Kumail consegue se tornar um personagem, mesmo não segurando o riso como Ken – que claramente se supera em rir durante todo o seu episódio, quebrando bastante a imersão.

Se essa comparação entre episódios não é um argumento negativo tão interessante quando se pensa na imprevisibilidade do improviso, observe, então, o começo da série com o apresentador de TV Conan O’Brien, um famoso que se esforça bastante para se manter no personagem. O que o torna engraçado é não se segurar na risada ao lado de Seattle e seu desespero mediante as pegadinhas durante os três suspeitos que questiona, padrão de cada investigação dos episódios na série.

Murderville é uma produção que anseia por fugir das paredes bregas que constrói com a narração na introdução dos episódios e seu caráter didático. Até mesmo quando esquematiza que o convidado não tem roteiro, Arnett surpreende em relação aos personagens da delegacia e ao cenário do seu escritório. Por isso, essa primeira temporada mostra que sua qualidade não é a  do melhor improviso, apenas, e sim a dele se criar bloopers dos famosos, algo esperado pela ausência de roteiro dentro de um contexto roteirizado. O mote é muito inventivo, mas numa adaptação hollywoodiana, falta sagacidade em se entregar ao ridículo e quebrar a estrutura antiquada do suspense.

Murderville – 1ª Temporada (Murdeville, EUA, 2022)
Criação: Krister Johnson
Direção: Iann Morris, Brennan Shroff
Roteiro: Marina Cockenberg, Anna Drezen, Chadd Gindin, Krister Johnson, Jack Kukoda, Hannah Levy, Marshawn Lynch, Kerry O’Neill, Adriana Robles, Craig Rowin, Sharon Stone, Kumail Nanjiani, Ken Jeong, Conan O’Brien, Annie Murphy
Elenco: Will Arnett, Haneefah Wood, Jennifer Aniston, Lilan Bowden, Philip Smithey, Marshawn Lynch, Sharon Stone, Kumail Nanjiani, Ken Jeong, Conan O’Brien, Annie Murphy
Duração: 33 minutos em média cada episódio

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