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Crítica | Mundo de Krypton (1979)

por Luiz Santiago
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World of Krypton #1 (de 3) (1979) - mundo de krypton plano critico dc comics

Os quadrinhos talvez tenham sido a arte que mais cedo sentiu na pele o peso da repetição. Nascida em um meio midiático que dependia da aceitação popular, não demorou mais que três décadas para que a Nona Arte sentisse na pele a necessidade de apresentar para o público um tipo X de personagem ou história, caso ainda quisesse vender revistas. Diante disso, não é de se espantar que conjuntos inteiros de ideias precisaram ser reformados e que novidades dentro do que já se conhecia precisaram se espremidas para para poder manter certas editoras no topo. A pergunta talvez tenha vindo como uma maldição para algum editor ou roteirista lá pelo final da Era de Ouro ou começo da Era de Prata: como eu posso fazer algo diferente se “tudo” o que podia ser feito com “isso”, já foi feito?

O passar dos anos mostraram que ainda havia muita coisa boa — e nova! — para ser feita, mas a sensação de “chover no molhado” nunca abandonou a parte da Nona Arte que trabalha com super-heróis. Coube então às duas grandes casas americanas preencherem buracos na vida de personagens icônicos de sua galeria, até que novas criações caíssem nas graças do público e a primeira parte do ciclo maldito de “criação-recriação-e-cópia-da-cópia” tivesse terminada. Mundo de Krypton (1979), é uma minissérie que se alimenta dessa situação. Escrita por Paul Kupperberg e publicada em 3 edições pela DC Comics, a obra mostra o Superman tocando algumas fitas encontradas por ele na Lua. Convenientemente, essas fitas são o diário de seu pai, Jor-El II, com gravações desde o início de sua fase estudantil, até o momento em que ele coloca o filho Kal em uma nave e o manda para fora de Krypton, momentos antes da explosão do planeta. A questão perseguida pelo autor aqui é a seguinte: o que se passou nos bastidores políticos e científicos de Krypton nos anos que antecederam o cataclismo?

Pela característica de tragédia anunciada (trabalhada de maneira muito interessante na arte de Howard Chaykin), o leitor consegue aproveitar o desenvolvimento do roteiro a partir de suas justificativas para o futuro, junto ao famoso feijão-com-arroz nostálgico que pega todo e qualquer leitor pelo coração, não importa quanto tempo de leitura de quadrinhos ele tenha. É aí que chamam a atenção as primeiras aparições de personagens icônicos, cidades e construções que futuramente seriam importantes para Superboy e Superman (vale ressaltar que esta é uma minissérie pré-Crise). Como o trabalho de apresentação aqui é exclusivamente da vida de Jor-El II, junto com o desenvolvimento e impasses políticos em Krypton até o momento de sua destruição, vemos aparecer nas páginas eventos que conhecemos de outras sagas, aqui sob o ponto de vista de um nativo, cabendo os dois pilares essenciais para este tipo de história: “o que causou” e “o que aconteceu depois”.

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Jor-El (pai) e os filhos pequenos Jor-El II e Zor-El em um passeio pelos arredores da capital.

Há uma enorme quantidade de bons momentos nessa minissérie, especialmente na primeira edição. Depois dos quadros de entrosamento do leitor com a história, entra-se em uma jornada instigante de um garoto muito estudioso que se tornaria a maior mente científica que o planeta inteiro já viu. Não há interrupções, não há vilões paralelos, não há personagens que “sobram” na narrativa. Ver o crescimento de Jor-El é uma experiência emocionante. O texto terá problemas de ordem interna, é claro, especialmente nas conveniências e nas incompreensíveis mudanças de ritmo para as entradas no diário de Jor-El, mas nada disso é um erro grave. Os problemões mesmo começariam a aparecer na edição #2, aumentando consideravelmente na finalização da minissérie, com todos os tropeços básicos evitados até ali. O mais incômodo desses erros foi a forma como Kupperberg fez o Alto Conselho de Krypton lidar com a administração depois que o alerta para o Armagedom foi dado. Durante muitas vezes eu me peguei perguntando “por que diabos estão discutindo essas ninharias se tem um turbilhão de coisas vitais e importantes para serem discutidas?“. E mesmo que se argumente que isso era esperado porque o Conselho não aceitava as previsões de Jor-El (o que é verdade), lembremos que é justamente a posição do cientista, independente de ter credibilidade ou não, que deveria mover as ações políticas para outras camadas, não passar tanto tempo rodeando em torno do destino de criminosos condenados à Fortaleza da Solidão.

Paradoxalmente, é na edição três que passamos pelo mais denso e instigante momento da minissérie, a ponto de percebermos o nosso coração bater mais rápido à medida que passamos as páginas. O truque do roteiro é o mais simples possível, mas funciona que é uma beleza: acelerar a apresentação das entradas no diário de Jor-El, com dia, mês e ano, assim como sua constante batalha para salvar a todos e nos dar a sensação de que a morte de milhares de pessoas estava para chegar. Ao mesmo tempo que isso traz algo negativo, como a abreviação de sequências interessantes ou resoluções abobadas de outras, somos capturados pela “contagem dos últimos dias” e nos enraivecemos com praticamente todos os kryptonianos que ficaram após o sequestro de Kandor por Brainiac. É angustiante ver um homem ser ridicularizado por todos ao alertar sobre uma tragédia iminente. O personagem tem ao mesmo tempo ares de Noé e Messias trágico, com um final anunciado que, mesmo assim, nos impressiona. Não importam os tropeços ao longo da minissérie ou o finalzinho com a conhecida chegada de Kal à Terra (momentos chateantes da trama); Mundo de Krypton consegue nos deixar felizes, no final. Uma saga familiar envolvendo amor, política e muita falta de sorte.

Mundo de Krypton (World of Krypton) — EUA, 1979
No Brasil:
Ebal, 1981
Roteiro: Paul Kupperberg
Arte: Howard Chaykin
Arte-final: Murphy Anderson, Frank Chiaramonte
Cores: Adrienne Roy, Jerry Serpe
Letras: Ben Oda, Shelly Leferman
Capas: Ross Andru, Dick Giordano
Editoria: E. Nelson Bridwell
72 páginas

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