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Crítica | Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos

por Luiz Santiago
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Embora Almodóvar já tivesse chamado a atenção dos festivais de cinema pelo mundo e também dos espectadores com os seus melhores filmes anteriores (Maus HábitosQue Fiz eu para Merecer Isto?Matador e A Lei do Desejo), sua consagração viria mesmo com Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), uma comédia dramática pontuada de paixões, relações familiares complexas e surtos femininos que transitam entre a loucura e a histeria.

O filme tem como essência a história de Pepa (Carmen Maura) e sua busca incessante pelo amante Ivan. Embora outras personagens apareçam no decorrer da história e as relações entre elas se tornem uma teia de coincidências, é a não-relação entre Pepa e Ivan que irá servir como fio da meada para toda a trama. Tecnicamente, o diretor e roteirista separou a película em dois grandes momentos, sendo o primeiro uma adequação psicológica da protagonista, tornando-a conhecida para o espectador, e depois, a chegada e união progressiva das outras personagens, relação que se mostra, desde o início, hilária e caótica.

O tom dramático e solitário da abertura dá lugar à comédia de apontamentos românticos do meio para o final do filme, o que infelizmente faz com que a qualidade do enredo caia consideravelmente. Não se trata, em essência, de um erro de direção, mas de um erro de roteiro que, em vez de seguir com um humor ligeiro em torno de Pepa, optou por um circo de situações pitorescas com a reunião do elenco principal. É claro que esses momentos são deliciosamente divertidos, mas contrastam até com o apuro estético impecável da primeira parte.

Almodóvar inicia a obra com uma série de planos sobre o apartamento de Pepa. José Salcedo aproveita a filmagem ágil para criar um ritmo de montagem no mesmo sentido, apresentando os componentes do quarto e, por tabela, a vida desta atriz e dubladora abandonada por alguém chamado Ivan. Em seguida passamos para um sonho da personagem, cuja simbologia dá muitas informações sobre a personalidade da dupla de amantes — especialmente a dele, o clássico protótipo do macho canalha e mulherengo. As mulheres são praticamente objetos de uma galeria colecionável, prontas para servi-lo — exatamente como funcionaria na vida real.

Essa oposição entre a virilidade e desapego masculinos e a paixão e desejo femininos constituirá os rompimentos das relações nas sequências seguintes. O mesmo vale para as relações familiares, que acabam sofrendo influência direta das relações amorosas, podendo até refletir comportamentos estranhos para nós, como o desamor de Lucía por seu filho Carlos.

Até a chegada de Pepa ao trabalho, no Estúdio de dublagem, e a entrada de Candela, é possível entender um padrão específico no uso da comédia e no encadeamento dos fatos. Mas quando a subtrama dos xiitas entram para a pauta e os encontros inesperados começam a acontecer, o enredo dá uma guinada para o ridículo, cabendo até situações grosseiras, como a tentativa de suicídio de Candela, temerosa de ser descoberta pela polícia por ter convivido com os xiitas. O que realmente incomoda é essa mudança do roteiro em sua fase de desenvolvimento. E como todo o desfecho da obra advém dessa abordagem, vê-se logo que o filme não termina tão bem como começou.

Os elementos cênicos típicos da filmografia do diretor estão lá. Também se fazem presentes a brincadeira metalinguística, a personagem obsessiva, a libido desregrada e as diferentes formas de se encarar um relacionamento. Tudo pintado com cores fortes, com destaque para o vermelho e sua paleta de cores próximas: amarelos e laranjas. A  transição entre o ponto que destacarei a seguir vem com as excelentes homenagens que o diretor faz a Alfred Hitchcock e o tom de fantasia que ele aplica a certos objetos ou lugares em torno da protagonista, a exemplo da maquete que vemos já no primeiro plano, a criação de animais no terraço da cobertura e a tomada panorâmica do que se pode ver do apartamento. As plantas, a bola colorida, o figurino utilizado, tudo indica um ambiente ligado à fantasia, uma casa de bonecas, um ponto irreal em meio aos estranhos acontecimentos que cercam a todos.

Como contraste, temos uma obscura inserção da personagem louca (embora a cena em que ela aponta as armas para Pepa seja diferente, porque carrega toda uma aura clássica consigo), várias sequências com comédia slapstick e cores escuras como verde, roxo, marrom e preto. O diálogo entre as nuances fotográficas funciona como composição do filme mas pouco ajuda a condução da história, que se endireita um pouco nas últimas cenas, mas não consegue minimizar o efeito causado pelo momento anterior.

O final da fita traz a velha “volta por cima” que Almodóvar adiciona às suas personagens mais descoladas. O tom despreocupado de Pepa em seu diálogo final e a interrogação sugerida para a cena policial que não se resolveu são elementos interessantes para criar um juízo de valor positivo no espectador, mas a desaceleração do ritmo não me deu uma impressão de um caminho melhor para o desfecho. É claro que se trata de um filme bem realizado e bastante divertido, mas é daquelas obras que o público vibra emocionado no início e não consegue segurar o desapontamento pelo rumo que as coisas tomaram do meio para o final.

Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (Mujeres al borde de un ataque de nervios) – Espanha, 1988
Direção: Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar
Elenco: Carmen Maura, Antonio Banderas, Julieta Serrano, María Barranco, Rossy de Palma, Kiti Mánver, Guillermo Montesinos, Chus Lampreave, Eduardo Calvo, Loles León
Duração: 90 min.

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