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Crítica | Mulher Oceano

por Rodrigo Pereira
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Escrever sobre filmes que nos impactam de diferentes maneiras é uma tarefa árdua. Pessoalmente, sempre fico dividido por onde iniciar e com medo de ser injusto com algum aspecto da obra ao não dar o espaço devido. Porém, são esses mesmos filmes que são capazes de nos marcar e é quando entendemos a grandiosidade do cinema. É uma experiência dúbia, quase confusa, mas indiscutivelmente prazerosa. E Mulher Oceano é um belo exemplo disso.

A fita é a estreia da experiente atriz Djin Sganzerla no posto de direção e conta a história de duas mulheres: Hannah, a escritora, e Ana, a nadadora (ambas interpretadas por Sganzerla). A primeira, em Tóquio, está com dificuldades para iniciar seu novo romance e passa por um conturbado momento em seu relacionamento, onde a vemos conversar com Rafael (Gustavo Falcão), seu marido, quase exclusivamente por celular. Já a segunda, no Rio de Janeiro, trabalha em uma grande empresa e se prepara para realizar a travessia a nado de 35 quilômetros entre as praias Leme e Pontal.

O ponto de conversão entre as duas é um só: o mar. É ele que acalma suas almas inquietas e onde ambas parecem buscar respostas, mesmo que para problemas distintos. Enquanto a escritora parece encontrar aos poucos que caminho seguir para contar sua nova história, a nadadora precisa decidir se aceitará uma proposta de melhor remuneração salarial do seu local de trabalho e ir para a nova filial de Campinas, longe do mar. São alguns momentos que reforçam essa forte relação das duas mulheres com esse elemento da natureza, onde tudo parece se encontrar.

A própria diretora, em algumas sequências, narra essa questão, deixando explícito sua visão de como o oceano influencia das mais diversas maneiras as personagens. Inclusive, é o que mais me agrada na obra de Sganzerla, como ela utiliza o mesmo mar para refletir o que Hannah e Ana, tão diferentes mas tão iguais, estão passando. Ao longo de toda projeção somos apresentados a cenas em que as águas parecem prontas para sair da tela e nos engolir em meio às suas poderosas ondas, com planos médios e fechados que ajudam a causar essa sensação de impotência e pequeneza diante de algo tão imenso. Em outras, no entanto, a cineasta utiliza planos abertos para abarcar toda a calmaria e a beleza do mesmo mar, criando tão belas imagens que são capazes de nos emocionar somente por contemplá-las. Essas diferenças refletem sentimentos e pensamentos das personagens, criando uma aproximação que sugere esses três elementos (Hannah, Ana e oceano) como se fossem um só.

A diretora faz algo semelhante com relação às duas cidades retratadas na obra. Mesmo que Rio de Janeiro e Tóquio sejam tão distantes e culturalmente tão diferentes, Sganzerla filma suas personagens por ruas e vielas de maneira que é inevitável não parecerem a mesma metrópole. A câmera por vezes a frente, por vezes atrás, mas sempre acompanhando o caminhar contribui com nossa imersão dentro do cenário, trazendo a sensação de similaridade. Essa condição, além do próprio oceano, é mais uma fator que aproxima Hannah e Ana dentro da narrativa. 

Aliás, vale destacar como diversas sequências na capital japonesa remeteram-me ao cinema de Hong Sang-soo. Ainda que o diretor sul-coreano costume ter a Coréia do Sul como pano de fundo em suas obras, a cineasta brasileira ambienta as conversas de Hannah com Yukihiko (Kentaro Suyama), em Tóquio, de forma bastante semelhante ao que estamos acostumados a ver nas obras de Sang-soo. As caminhadas conversando sobre seus trabalhos, suas vidas particulares e problemas pessoais e, principalmente, a cena do restaurante com bebida alcoólica nos traz à mente a pergunta: será que houve inspiração nos filmes do asiático? Como fã do diretor, espero que sim.

Da mesma maneira que o oceano pode assumir diversas formas e mudar completamente em questão de pouco tempo, os seres humanos também podem. A maré alta ou baixa, a calmaria, a ressaca, as ondas dos mais diversos tamanhos não seriam como o comportamento humano, sujeito a constante alteração? Ainda assim, sempre assumimos um semblante contemplativo perante o encanto dos oceanos, independente de suas rotineiras mudanças. É isso que o faz ser imenso, poderoso e encantador. É isso que torna Mulher Oceano uma obra imensa, poderosa e encantadora. O olhar para dentro de seus mares interiores para encontrar as respostas de todos seus questionamentos.

Mulher Oceano – Brasil, Japão, 2020
Direção: Djin Sganzerla
Roteiro:  Djin Sganzerla, Vana Medeiros
Elenco: Djin Sganzerla, Gustavo Falcão, Kentaro Suyama, Stênio Garcia, Jandir Ferrari, Lucélia Santos, Rafael Zulu, Nakazeko Mie, Nakamura Sayuri, Nakayama Shigeyo, Matsui Sumiko, Uemura Yoshino
Duração: 99 min.

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