A primeira coisa que devo dizer dessa trilogia de graphic novels de Grant Morrison e Yanick Paquette sobre a Mulher-Maravilha é que todo os “homens machos”, daqueles que se acham superiores às mulheres – e também aqueles que acham que não são superiores, mas agem como se fossem sem sequer perceberem – deveriam ser obrigados a lê-la até compreenderem que, na sátira, pois a pegada é sem dúvida satírica no que se refere aos homens da história, os autores encapsulam perfeitamente a natureza do sexo masculino. Sempre defendi que a Natureza Humana é beligerante, mas a grande verdade é que não é a Natureza Humana, mas sim, apenas, mais ou menos metade dela, a metade que não pode gerar vida.
E Morrison e Paquette parecem se divertir horrores com essa premissa no terceiro volume de Mulher-Maravilha: Terra Um, realmente encerrando sua narrativa de maneira circular, ousada e perfeitamente compatível com a mensagem de amor que a heroína sempre procurou passar (ou sempre que os roteiristas de oito décadas de histórias acertavam, claro). No lugar de simplesmente continuar a partir do cliffhanger do volume dois, ou seja, com Maxwell Lord prestes a atacar Amazonia com seu projeto A.R.E.S., o derradeiro capítulo da série alavanca o leitor para mil anos no futuro, muito depois do fim da literal Guerra dos Sexos em é possível ver muito claramente qual foi seu fim, algo que não mencionarei aqui para manter a crítica livre de spoilers sobre o volume sendo analisado.
Começando então no futuro e voltando para ele de tempos em tempos com uma trama por lá que não me pareceu muito inspirada, mas que tem a função de manter tudo o mais enevoado possível para não levar ninguém a conclusões precipitadas, aprendemos sobre os detalhes da guerra de Lord contra as Amazonas e sobre quem na verdade é Lord, um segredo que não é tão secreto assim para quem tiver prestado atenção, mas que, novamente, não revelarei. Nesse “retorno ao passado”, digamos assim, o roteirista amplifica elementos da mitologia da Mulher-Maravilha e de sua ilha paradisíaca que só havíamos vislumbrado antes, o que de certa maneira é uma pena, pois Morrison poderia ter trabalhado melhor determinados aspectos como o multiverso ou as demais raças de seres fantásticos que habitam a ilha sem precisar fazer com que as informações pareçam tão corridas quanto mal aproveitadas.
No entanto, mesmo com esse problema, a leitura é muito fluida e gostosa se o leitor souber levar com tranquilidade os exageros satíricos de Morrison que, se realmente pararmos para pensar, nem são tão exagerados assim. Seja como for, há um bom humor inerente em sua história mesmo quando ele lida com questões sérias e essa característica casada com a mais uma vez magnífica arte de Paquette, que esbanja seus traços fortes para criar uma enorme variedade de seres e de ambientes novos nessa expansão de mitologia que Morrison faz, torna tudo um grande prazer. Mesmo que a guerra em si seja anticlimática – e ela de certa forma é – o resultado final é um volume que, mesmo não retornando à perfeição do primeiro, consegue ao mesmo tempo encerrar de verdade uma excelente história, como até mesmo melhorar o volume anterior – que sofre por ser o “do meio” – quando visto em um conjunto mais amplo e completo.
Até mesmo Steve Trevor finalmente mostra a que veio e faz mais do que ser um mero coadjuvante que só existe para ser salvo por Diana ou para nos lembrar que há homens verdadeiramente bons nessa história toda. E o mesmo vale para as colegas amazonas da Mulher-Maravilha que não só ganham mais relevância, como também pluralidade. Não há qualquer profundidade de desenvolvimento nelas, que fique claro, mas a presença constante de um maior número de amazonas cria uma bela impressão de coletividade e de diversidade aqui no caso, considerando os novos seres mitológicos, além de abrir todo o espaço possível para Paquette esbanjar categoria em seus traços imbatíveis e suas magníficas molduras para quadros e páginas que emprestam um caráter épico à narrativa.
Mulher-Maravilha: Terra Um chegou ao seu fim ou, pelo menos, ao fim pela dupla Morrisson/Paquette que acabou entregando uma história redonda, muito bem trabalhada e pensada que não só resgata os valores clássicos da Era de Ouro da heroína, como os extrapola ao mesmo tempo que os atualiza para o século XXI em diante, servindo de um incômodo espelho aos “machos” mundo afora. Foram necessários nada menos do que cinco anos para que isso acontecesse – característica comum dos títulos Terra Um, aliás – mas a espera valeu a pena!
Mulher-Maravilha: Terra Um – Volume Três (Wonder Woman: Earth One – Volume Three, EUA – 2021)
Roteiro: Grant Morrison
Arte e capa: Yanick Paquette
Cores: Nathan Fairbairn
Letras: Todd Klein
Editoria: Andrew Marino
Editora original: DC Comics
Data original de publicação: 09 de março de 2021
Editora no Brasil: Panini Comics
Data de publicação no Brasil: não publicada na data de lançamento da presente crítica
Páginas: 122