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Crítica | Mulan (2009)

por Iann Jeliel
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A história de Mulan, ao contrário do que muita gente pensa, não é originária da Disney, bem como várias de suas animações são inspiradas em algum conto fabulesco de séculos passados. Tratando-se de Mulan, é especificamente baseado num poema datado do século V, conhecido como A Balada de Mulan, que narrava a jornada da jovem que se disfarçava de homem para se alistar no exército no lugar do seu pai. Nessa história original, não existia general Shang para ser seu par romântico, era ela quem se tornava um general e liderava o exército chinês por quase dez anos a inúmeras batalhas durante o período da dinastia Wei do Norte. Ao fim do ciclo, ela finalmente se revelava mulher para o exército, mas àquela altura, o respeito já havia tomado uma proporção que não importava mais se era um homem ou uma mulher que realizara aqueles feitos. Nessa quebra de paradigmas, Mulan se tornava uma lenda na mitologia chinesa.

Com a animação de 1998, a história se popularizou, mas a própria China antes disso já havia retratado a lenda nos cinemas pelo menos umas quatro vezes, e a que chegou a ser mais conhecida foi a versão de 1964, denominada Lady General Hua Mulan. Internacionalizada de modo ocidental, os chineses não aceitaram muito essa versão animada e decidiram fazer a versão mais “definitiva” e fidedigna ao conto uma década depois, em porte de superprodução, essa de 2009. Apesar disso, é notória a vontade de se fazer um blockbuster acessível universalmente, principalmente para os americanos (que produzem também o filme). O que mais chama a atenção é o tom melodramático exagerado, que é cafona, mas ao mesmo tempo sustenta o ar de sobriedade na narrativa clássica, que dentro da leitura estética sombria e “suja” constitui um clima épico para a formação do símbolo.

Percebam que existe um misto de propostas para isso ser concretizado, por um lado, a via realista desvirtua o filme de qualquer elemento mitológico ou fantasioso para interferir como facilitação para Mulan em sua jornada, por outro, não existe uma preocupação em disfarçar que se trata de uma mulher em meio a homens, e inesperadamente isso não vira uma contradição porque o filme não quer disfarçar isso. Nos primeiros minutos, até existe uma tensão sobre a possível descoberta pelos outros da real identidade de Mulan, mas logo isso é escanteado porque o contexto exige outras preocupações, então a liberdade romântica começa a formar a aura lendária da personagem, que transcende o gênero pelas tomadas de decisão nos momentos chave. Essa linha tênue parece muito calculada, apesar de aparentemente apressada nos primeiros minutos, e o melodrama – apesar de ser um artifício geralmente apelativo – funciona para balancear a inverossimilhança e direcioná-la para a construção simbólica interna ser verossímil.

Esse aspecto só irá incomodar na composição de algumas das cenas de batalha. Existe um preparo muito bom para elas, as coreografias são organizadas, e os efeitos práticos na encenação em meio a um caprichado design de produção e composição de figurinos dão casca e peso basicamente automáticos à importância das sequências nas ações da narrativa, pena que a direção não saiba valorizar tanto esses momentos. O melodrama na guerra parece só piegas, mesmo, principalmente com o uso exacerbado da câmera lenta em close-ups em reações específicas, acentuadas por uma trilha genericamente melancólica. Falta à dupla Jingle Ma e Wei Dong abrir mais o plano, filmar com mais segurança, há muitos cortes e a localização geográfica dos acontecimentos fica um tanto comprometida naquelas de maior escala. Quando essa é para ter efeitos consequenciais significativos na história, funciona só como dramaticidade conjunta da construção da personagem, porque isoladamente as sequências se tornam demasiadamente apelativas.

De qualquer forma, há também os momentos empolgantes, especialmente todos aqueles que reforçam um novo feito surpreendente da protagonista, o filme sabe como conduzi-los para aglomerar o efeito da ideia de lenda. O clímax é bem emblemático nesse sentido, a solução final para o último desafio serve perfeitamente como parâmetro conclusivo do símbolo que é além de um gênero, mas ainda pertence ao feminino. É quando o filme finalmente resolve “disfarçar” Mulan, desta vez como mulher, reforçando o discurso de transcendência que consequentemente ao se ligar ao feminino quebra outros paradigmas e tem seu símbolo potencializado. Assim, o filme cumpre seu propósito com a fidedignidade, apesar de não conseguir totalmente com a universalização da história, dadas as  limitações dramáticas como cinema épico, é ainda um belo manifesto cultural.

Mulan (Hao Mulan | China-EUA, 2009)
Direção:
Jingle Ma, Wei Dong
Roteiro: Ting Zhang
Elenco: Wei Zhao, Kun Chen, Jaycee Chan, Rongguang Yu, Jun Hu, Jiao Xu, Zhou Sun, Yuxin Liu, Min Xu, Changsheng Liu, Lu Wang
Duração: 114 minutos

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