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Crítica | Mufasa: O Rei Leão

Quanto mais se aproxima de Rei Leão, mais Mufasa se perde.

por Davi Lima
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mufasa

A produção do novo live-action da Disney, Mufasa – Rei Leão, apresenta certa inventividade no uso do digital, mas acaba cansando os olhos, especialmente pela dificuldade em equilibrar a duração do filme com o contraste entre a textura dos leões e o universo visual ao redor. À medida que a história se aproxima cronologicamente dos eventos já conhecidos de O Rei Leão, a narrativa perde parte de sua criatividade, deixando de explorar a interação entre a natureza e os animais digitais e afastando-se da mística envolvente do ciclo sem fim.

Pequenas sutilezas se perdem ao longo do filme, como nas cenas de Timão e Pumba, que acabam atrapalhando o fluxo criativo da direção de Barry Jenkins (Se a Rua Beale Falasse, Moonlight), diretor que se destaca como um dos poucos contemporâneos capazes de usar o digital para imprimir emoções poéticas nos detalhes fantasiosos. Toda a trama é narrada para Kiara, filha de Simba e Nala, em uma estrutura que remete ao que um griot contaria no Mali, na África Ocidental. A história, ambientada provavelmente no Oeste Africano, busca ensinar a Kiara, diante de um novo nascimento em sua família, a importância de conhecer seus ancestrais, mostrando que eles ainda têm muito a ensiná-la.

Mufasa – Rei Leão é como uma “grande jornada judaica de Moisés“, o estrangeiro salvo das águas que tem no seu coração o desejo por chegar em Milele, onde o ciclo é sem fim, uma espécie de terra prometida chamada Milele. O diretor Barry Jenkins parece se empolgar nesse papel em branco de Mufasa ter um destino, mas sem conhecimento do processo. O mais diegético e harmônico com o musical feito pelo Lin-Manuel Miranda é o teatro de realeza de dois irmãos em conflito com a natureza dos leões. O musical, como expressão do coração e dos sonhos, se torna bem envolvente com o roteiro de Jeff Nathanson (O Rei Leão, Prenda-me Se For Capaz, O Terminal), tornando os destinos políticos simples da organização dos animais em conflito de cultura religiosa.

Nesse contexto, Barry Jenkins utiliza o digital para tornar a fantasia mais acessível e envolvente, sem receio de romper, ocasionalmente, com o realismo imposto. As composições de Lin-Manuel Miranda ganham vitalidade à medida que o diretor emprega montagens musicais para compensar a morosidade visual do quase 100% digital da fotografia. No entanto, o aspecto teatral-político da narrativa vai gradualmente se diluindo em favor do estilo musical típico da Disney, especialmente conforme o drama entre os irmãos se transforma em um ressentimento mais direto ligado à disputa pelo trono.

Na virada do segundo ato, a introdução de Sarabi, futura esposa de Mufasa, soa como uma conveniência de roteiro para reforçar a jornada “religiosa” dos destinos dos irmãos Saka (Scar) e Mufasa, com o objetivo de justificar tudo que é mais icônico em O Rei Leão. O filme transmite uma sensação de inevitabilidade na tentativa de fazer o mundo replicado da natureza não parecer uma mera cópia aos olhos do público. Apesar do uso mais dinâmico de câmeras, de uma trilha sonora original e até mesmo das interrupções cartunescas e metalinguísticas de Timão e Pumba, Mufasa parece incapaz de concluir sua história de maneira satisfatória.

A temática política do filme se dissolve à medida que os diferentes reinos de leões se unem, ignorando ou descartando os possíveis conflitos — ou, pelo menos, o desenvolvimento mais aprofundado deles. Com isso, o teor explicativo sobre a origem de Mufasa e Scar acaba reduzido a uma definição de status dos destinos de cada um, em vez de explorar suas motivações de forma significativa. No desfecho, aquilo que era mais intrigante e criativo em Mufasa — a ideia de um leão sempre ser salvo e outro sempre ser heroico na relação com os animais — se perde em meio a um final pragmático focado na ação.

Toda a poesia se esvai, restando apenas os resquícios primários e “xerocados” de O Rei Leão de 2019. Os close-ups e as transições, que tentam trazer mais concretude e conexão emocional ao digital, acabam cedendo espaço para uma fotografia baseada em planos gerais e isométricos, visualmente impressionantes, mas pouco relacionáveis. Ironias à parte, a jornada lembra a história dos judeus que, ao chegar à Terra Prometida, enfrentaram desilusões e contratempos. Da mesma forma, Mufasa: O Rei Leão se perde justamente quando mais se aproxima de Milele, seu destino final.

Mufasa: O Rei Leão (Mufasa: The Lion King) – EUA, 2024
Direção: Barry Jenkins
Roteiro: Jeff Nathanson
Elenco: Aaron Pierre, Kelvin Harrison Jr., Tiffany Boone, Kagiso Lediga, Preston Nyman, Blue Ivy Carter, John Kani, Mads Mikkelsen, Seth Rogen, Billy Eichner, Thandiwe Newton, Lennie James, Anika Noni Rose, Donald Glover, Beyoncé
Duração: 120 min.

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