- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios da série.
Ao sem cerimônia transportar toda a ação da minissérie para Karachi, no Paquistão, Seeing Red acaba fazendo melhor aquilo que Destined tentou, ou seja, tornar as culturas paquistanesa e muçulmana o centro das atenções, mas sem esquecer da ação. A grande verdade é que a mudança literal de cenário empresta mais naturalidade ao lado paquistanês da série, transformando-o em um pano de fundo vibrante e relevante, mas não intrusivo como foi no episódio anterior. Ainda não é, decididamente, um capítulo com a qualidade jovial, colorida, levemente transgressora e muito descompromissada que vimos em Generation Why e em Crushed, mas, muito sinceramente, não há mais como esperar esse retorno à simplicidade e eu compreendo a necessidade de se seguir em frente com um mergulho mais profundo nas origens dos poderes de Kamala Khan.
E o mais interessante dessa jornada para desencavar o misterioso passado de sua bisavó Aisha e seu uso do bracelete durante a Partição que levou ao salvamento de Sana, é que tudo é muito bem amarrado ao legado de Kamala, ou seja, tudo fica devidamente circunscrito às lendas que gravitam ao redor da ascendência da protagonista, muito na linha do que foi feito com Shang-Chi em seu filme solo. Sim, existe uma outra dimensão e sim, Kamala é descendente desses seres originários de lá, mas esse é o “colorido Marvel”, por assim dizer, para cria uma história razoavelmente coesa que explique os djinns e seus poderes, algo intrinsecamente ligado à cultura árabe como um todo.
A introdução dos Adagas Vermelhas é uma enorme conveniência de roteiro, claro, já que a avó de Kamala, por mais boa vontade que tenha, aparentemente sabe tanto sobre seu legado quanto ela. Não gosto da “adaga-caverna” tecno-mágica dos sujeitos e nem da extrema facilidade com que os Clandestinos encontraram o lugar em tese secreto, pois isso tudo empurra a série demais para o lado de uma narrativa mais rasteira e completamente super-heróica sem, primeiro, construir Ms. Marvel apropriadamente. No entanto, esse grupo paquistanês – ou seria uma dupla apenas? – tem aquela (não tão)boa e velha função de parar a história toda, olha para a câmera e explicar em detalhes a dimensão Noor e o que pode acontecer se o bracelete for usado para abrir um portal para lá. Não é absolutamente nada original e não era estritamente necessário que o roteiro recorresse a essa dose concentrada de didatismo, mas a preguiça vista aqui é breve o suficiente para não atrapalhar em demasia o episódio.
Diferente da pancadaria em Destined, que pareceu artificial demais, aqui ela funcionou nos dois combates principais. O primeiro é o clássico embate “por engano” entre dois heróis, com Kareem (Aramis Knight) atacando Kamala na estação de trem por ter detectado a presença de energia noor por ali e tudo sendo resolvido rapidamente depois de um pouco de demonstração de poderes e habilidades. Não demora muito e os Clandestinos, que conseguem facilmente fugir lá da prisão do Departamento de Controle de Danos, chegam para, basicamente, transformar o restante do episódio em longas sequências de lutas e perseguições variadas que, mesmo por vezes me parecendo desnecessariamente rápidas e picotada demais, com uma montagem visualmente cansativa, funcionaram na maioria do tempo.
O problema maior é que funcionaram para o que exatamente? Afinal, se quisermos ser chatos e decidirmos espremer o episódio, Seeing Red só acrescentou a explicação sobre a dimensão Noor à história, algo que não era exatamente uma grande novidade, com o embate destrutivo por Karachi sendo usado mais para “empurrar” o detalhamento da história de Aisha para o penúltimo episódio, com Kamala, ao que tudo indica, viajando no tempo quando a arma de Najma é fincada em seu bracelete. O final brusco foi um pouco frustrante, mas o investimento em extras e na tomada aérea que revela a escala gigantesca do momento decisivo da fuga para Karachi compensa um pouco e cria expectativa para o que está por vir.
Ms. Marvel, agora, parece ter largado de vez a pura leveza adolescente de seus dois primeiros episódios para focar em uma jornada pelo passado da família da protagonista, o que inevitavelmente aproxima a série do lugar-comum. Mas apenas a aproxima, já que toda a ambientação peculiar para uma minissérie de super-heróis ainda a diferencia do que costuma ser abordado por aí, mesmo se for comparada com outra série de pano de fundo “exótico”, como foi Cavaleiro da Lua. Pessoalmente, prefiro a simplicidade da descoberta adolescente do início, mas entendo o caminho tomado. Resta só esperar que a minissérie não se livre completamente de seu espírito teen e devolva Kamala Khan à Nova Jersey ainda com aquele encantador olhar inocente e deslumbrado.
Ms. Marvel – 1X04: Seeing Red (EUA, 29 de junho de 2022)
Desenvolvimento: Bisha K. Ali
Direção: Sharmeen Obaid-Chinoy
Roteiro: Sabir Pirzada, A. C. Bradley, Matthew Chauncey
Elenco: Iman Vellani, Matt Lintz, Yasmeen Fletcher, Zenobia Shroff, Mohan Kapur, Saagar Shaikh, Laurel Marsden, Azhar Usman, Arian Moayed, Alysia Reiner, Travina Springer, Rish Shah, Nimra Bucha, Samina Ahmad, Farhan Akhtar, Aramis Knight
Duração: 47 min.