SPOILERS! Leia a crítica para as temporadas e episódios anteriores aqui.
No mesmo dia em que o presidente Donald Trump (mais uma vez) chocou o mundo por sua atitude díspar com o posto de líder de uma nação que hoje ocupa, ao compartilhar em sua conta pessoal no twitter vídeos altamente violentos sobre muçulmanos, foi ao ar este oitavo episódio de Mr. Robot, que entre referências à franquia De Volta Para o Futuro (além de citações ou indicações visuais de Perdido em Marte, Cova Rasa, Gasparzinho, Os 12 Macacos, Cassino e Lendas do Crime) faz uma dura crítica ao status da comunidade muçulmana nos Estados Unidos — e por tabela, no mundo — em tempos de Estado Islâmico, fundamentalismo islâmico e atos terroristas feitos por grupos ligados a esta religião, colocando, para olhares rasos e preconceituosos, todos os que professam esta fé no mesmo pacote dos suspeitos que precisam “voltar para seu país“.
Das poucas pessoas do meu ciclo social que acompanham esta série, a maioria reclamou do “tom calmo” que dont-delete-me adotou, especialmente se o compararmos aos três últimos e geniais capítulos da série, runtime-err0r, kill-pr0cess e fredrick+tanya. Mas aqui é preciso ter um simples olhar de coerência narrativa dentro da toada realista que marcou a série até o momento. Após um ataque que matou cerca de três mil pessoas, como é que personagens humanos como Angela e Elliot deveriam se comportar? Seguindo normalmente com suas vidas, como se nada tivesse acontecido ou sofrendo, de maneira coerente como foi aqui, as consequências daquilo que eles de alguma forma ajudaram a fazer? Percebam que não estamos falando de pessoas para quem a vida alheia não tem valor algum e pode ser utilizada como material de compra, troca e justificativa para qualquer ato possível. Não estamos falando de Whiterose e Phillip Price. Estamos falando de pessoas que, por mais atitudes criminosas que tenham tido ao longo das temporadas, nunca mergulharam na banalidade do mal.
Com isso em mente, entra aqui um toque de mestre de Sam Esmail, que voltou a assumir o roteiro, não apenas a direção do show. Sabem quando alguém próximo a nós morre e após um tempo temos que passar pelo processo de incorporar ou se livrar dos objetos dessa pessoa? Fica aqui o dilema de Elliot deletar ou deixar existir esse outro alguém em sua vida, e isso tanto no passado, quanto no presente. Notem que o dilema aparece no momento em que ele vai ao cinema com o pai (a expressão no rosto de Christian Slater quando o pequeno Elliot lhe diz “não” sobre o perdoar as atitudes do pai é lancinante. O ator consegue passar uma torrente de sentimentos apenas com alguns segundos de expressões faciais, algo realmente incrível) e, ao que tudo indica, vê acontecer pela primeira vez a sua dissociação de personalidade. Agora, na fase adulta, ele tenta se livrar do pai, este seu “outro eu”, mas simplesmente não consegue e chega a assumir isso para Darlene, falando que já tentou de tudo, mas não foi possível. O ponto final e de um novo começo aqui é a jaqueta com o emblema “Mr. Robot”.
Uma das coisas que sempre me chamou a atenção na escrita de Esmail é a capacidade que ele tem de falar muitas coisas com pequenas atitudes. A forma como compõe as ideias é tão simples e ao mesmo tempo tão profunda que os episódios vão ganhando nuances e significados diferentes à medida que passam os minutos e nós entendemos que a primeira impressão estava errada, a intenção geral do autor era outra, normalmente um oposto extremo à nossa primeira opinião sobre o que deveria acontecer. Levando em conta o título, a despedida que Elliot fez de seu cão, o fato de não ter pedido para Darlene ficar em casa e a compra de uma quantidade absurda de morfina (a referência a Taxi Driver e a duplicidade Hard Andy/Easy Andy na cena do hotel fez meus olhos brilharem) indicavam o suicídio de Elliot, noção fortalecida pela sequência na praia e a chegada do pequeno Mohammed (Elisha Henig faz um ótimo trabalho aqui!) impedindo Elliot de tomar as pílulas.
O sofrimento das famílias afetadas pelas ações da Fase 1 e Fase 2 ganham aqui, já a médio prazo, um toque de peso moral para o jovem hacker. Ele tem pensamentos políticos anarquistas e sua intenção primária era tornar o sistema escravo de si mesmo, libertando a população. Na 2ª Temporada da série isso ganhou todos os contornos teóricos possíveis e chegamos à 3ª Temporada com algo que muita gente que se dispõe a falar de política ainda não entendeu: um sistema hierárquico que é composto de uma máquina de dominação e dinheiro sempre irá se reerguer das cinzas e jamais será ferido de morte. O capitalismo já teve crises demais ao longo de sua História para nos deixarmos enganar sobre quem é que paga a conta de qualquer situação desse tipo: os peixes pequenos do jogo e, obviamente, a população. Ponto. Em Mr. Robot Elliot descobre isso da pior maneira possível e ao ver que julgou errado a maneira de lutar contra o sistema, resolve deletar a si mesmo do programa.
A entrada de Mohammed nos traz as críticas do showrunner ao tratamento que a população islâmica tem recebido nos últimos anos e também uma mudança de perspectiva de vida para Elliot. Com a curiosidade, chatice, inocência e momentos de fofura que toda criança tem, Mohammed rearranja, sem saber, as intenções finais do protagonista, que tem uma verdadeira surpresa ao chegar em casa e ver que recebeu um email de Trenton. Agora sabemos quem era a “pessoa de confiança” que ela disse para Mobley no episódio passado. Faltando apenas dois capítulos para o fim da temporada, o jogo de dominação e de fazer ou desfazer desastres parece que ganha algum equilíbrio tardio. É bom nos preparamos para a Fase 3.
Mr. Robot – 3X08: eps3.7_dont-delete-me.ko (EUA, 29 de novembro de 2017)
Direção: Sam Esmail
Roteiro: Sam Esmail
Elenco: Rami Malek, Carly Chaikin, Portia Doubleday, Christian Slater, Julie Hanna, Emily Behny, Alex Bento, Sahar Bibiyan, Becky Chicoine, Jason A. Coombs, Allen Enlow, Christopher Halladay, Elisha Henig, Richard Masur
Duração: 47 min.