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Crítica | Motel Destino (2024)

Pra quem já está no inferno, basta abraçar o capeta.

por Roberto Honorato
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O cinema tem sofrido com uma onda conservadora incapaz de assistir a um filme sem que tudo que é apresentado siga um propósito narrativo – algo esperado com a superexposição que temos ao cinema moralista de Hollywood e uma cultura de “furo de roteiro”, onde se trata o cinema, uma obra de arte audiovisual, como algo que deve ter seus elementos destrinchado como se estivéssemos separando ingredientes em uma receita de bolo, mas sem qualquer tipo de leitura do visual em si, onde a maior parte da história é contada. Essa onda de procurar uma finalidade objetiva para tudo é o que faz com que muitos espectadores hoje tenham uma aversão a cenas de sexo no cinema, algo tão natural quanto qualquer outro aspecto do cotidiano de uma pessoa. Motel Destino se aproveita disso para criar tanto uma narrativa onde o sexo se torna uma peça essencial para o desenvolvimento da trama quanto o explora como a moeda de troca mais antiga do mundo.

Antes de realizar seu próximo grande assalto, Heraldo (Iago Xavier) aproveita uma noite de sexo descompromissado no Motel Destino, mas quando acorda percebe que ele mesmo foi furtado e perdeu a hora. Chegando tarde demais para a missão, descobre que seu companheiro de crime e amigo de longa data foi assassinado, o que coloca um alvo na cabeça de Heraldo e seu único refúgio é permanecer escondido no motel. Acolhido por Dayana (Nataly Rocha), que está em um relacionamento abusivo com Elias (Fábio Assunção), o dono do local, Heraldo só quer esperar a poeira baixar para poder ir embora do Estado, mas um perigo maior está entre as quatro paredes do motel.

Há uma linha entre sexo e violência constantemente tensionada na narrativa interna de Motel Destino, com uma personagem chegando ao ponto de comparar os gemidos que ecoam pelos corredores com gritos de uma pessoa sendo violentada, aqui revelando também o excelente trabalho de som do filme. Aos poucos conhecemos mais desse mundo de abuso e controle, principalmente na assustadora figura da personagem de Fábio Assunção (também incrível), um antagonista que representa bem a ameaça que mantém o protagonista em um estado de aprisionamento tanto do sistema quanto de um contexto social que o trata como um pião na mão de forças maiores.

Antes de sua fatídica missão, Heraldo é questionado sobre sua escolha de trocar o oceano pelo asfalto, uma decisão que se apresenta mais como necessidade do que um desejo pessoal. Só sexo pode satisfazê-lo, algo que chega ao limite quando seu único prazer é o que o leva cada vez mais perto de um caminho sem volta. O filme explora esses limiares por uma abordagem neo-noir, criando o contraste entre o calor de uma natureza tropical cearense com as cores vibrantes do neon espalhado pelo motel, ambos acolhedores em sua própria maneira, ainda que escondam uma ameaça diferente em cada esquina ou corredor. Suor e sangue se misturam com uma câmera fascinada pelo corpo, suas texturas, o bronzeado e a tensão sexual criada na aproximação entre eles.

O voyeurismo da câmera também se dá na forma como explora pequenas brechas que dão parcial acesso aos quartos e seus hóspedes através de uma pequena janela ou nas câmeras de segurança, raramente dando permissão para o espectador ultrapassar essa barreira, ainda que ela já tenha sido transgredida. Nunca conhecemos essas pessoas, apenas o resultado de suas noites naquele espaço. Infelizmente, essa mesma câmera que revela, se faz tímida em seus enquadramentos, e dá pra sentir a falta de movimento e composições mais inspiradas, o que fica mais evidente nos momentos em que o filme acompanha o mundo exterior e se prende em planos abertos desinteressantes, principalmente nas sequências próximas ao oceano, onde o filme perde muito da sua identidade e não sabe o que fazer com o ambiente.

O que salva a maior parte desses segmentos é o drama desenvolvido pelo trio principal. Separados, nem todos são tão interessantes assim. O universo de Heraldo é construído por um passado de traumas e um pensamento onírico que o filme explora através de lapsos de memória e ilusões, o que adiciona uma camada pouco aproveitada e bem menos envolvente do que o núcleo voltado para Dayana e a sua complexa relação com Elias, esse criando sua própria jaula, enquanto procura controlar tudo e todos, seja Heraldo, sua mulher ou a própria natureza daquele ambiente.

Motel Destino tem força no seu elenco e como alguns elementos da narrativa se revelam com intensidade nessa trama de ação e sexo, mas que infelizmente troca isso muitas vezes por momentos de grandeza ou de catarse emocional que soam quase forçados, e isso funcionaria muito bem por conta da atuação mais caricata de algumas personagens, mas o longa não parece confiante o suficiente nesses pontos e quando precisa de uma virada surpreendente na trama, como são os minutos finais, o filme assume uma personalidade mais mecânica e desesperada. Ainda assim a jornada do mundo interior do motel é rica o suficiente para fazer com que a experiência geral seja mais positiva, e que esse seja o começo para o retorno de um cinema cada vez mais interessado em explorar o sexo, independente de ser um elemento “essencial” para a narrativa.  O importante é que nosso cinema não perca o tesão.

Motel Destino – Brasil, 2024
Direção: Karim Aïnouz
Roteiro: Eislan Esmeraldo, em colaboração com Karim Aïnouz, Maurício Zacharias
Elenco: Iago Xavier, Nataly Rocha, Fábio Assunção, Yuri Yamamoto, Fabíola Liper, Renan Capivara, Jupyra Carvalho
Duração: 112 min.

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