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Crítica | Morte Ao Vivo

Um mistério sobre filmes snuff na estreia de Alejandro Amenábar

por Rafael Lima
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Morte Ao Vivo foi o primeiro filme dirigido pelo espanhol Alejandro Amenábar, que chamaria atenção do mundo nos anos seguintes, com longas metragens como Os Outros (2001) e Mar Adentro (2004). Tendo começado a ser produzido quando o cineasta ainda estava na faculdade, Morte Ao Vivo é uma obra altamente influenciada pelo mundo universitário que o diretor estava imerso naquele momento, assim como também parece carregar as indagações que ele tinha em relação à linguagem audiovisual e elementos de linguagem que começava a explorar. Na trama do filme, Ángela (Ana Torrent) é uma estudante de cinema que está fazendo uma tese sobre a violência no audiovisual, e para se aprofundar mais no assunto, relutantemente recorre à ajuda do colega Chema (Fele Martínez), um aficionado pelo cinema exploitation. Durante sua pesquisa, a estudante acaba topando com um autêntico filme Snuff, onde uma aluna da universidade que havia desaparecido dois anos antes é brutalmente assassinada por uma figura misteriosa, o que leva Ángela e Chema a embarcarem em uma arriscada investigação que indica que pode haver um psicopata homicida à solta.

Escrito pelo próprio Amenábar e por seu parceiro habitual Mateo Gil, Morte Ao Vivo põe a temática do voyeurismo e do fascínio do ser humano pelo macabro no centro da narrativa, através de uma trama investigativa sobre os infames vídeos Snuff onde pessoas são mortas de verdade. Ainda que o filme use a nossa relação com a violência audiovisual como espinha dorsal da discussão, desde a primeira cena, a obra escancara que essa atração existe fora da tela, ao colocar a protagonista curiosa para ver o corpo de alguém que havia se jogado nos trilhos do metrô onde ela estava. A dicotomia entre repulsa e atração pela violência é posta como parte vital do arco dramático da protagonista, seja através da sua relação com o sinistro filme Snuff que move a trama, ou na sua atração pelo colega Bosco (Eduardo Noriega), que se torna um dos principais suspeitos de estar por trás dos assassinatos gravados nos vídeos. A questão, entretanto, é trabalhada sob outras perspectivas também, seja nos comentários de Chema sobre o uso da violência como linguagem audiovisual, ou através das observações do Prof. Castro (Xabier Elorriaga) sobre as exigências do público diante da indústria cinematográfica.

As reflexões sobre imagens não soam soltas, sendo bem costuradas na narrativa principal, mas o roteiro de Amenábar e Gil é bastante eficiente como um thriller de terror investigativo por si só. Ángela e Chema formam uma dupla de protagonistas bastante interessante e divertida de se assistir pela dinâmica conflitante e cheia de picuinhas que desenvolvem. A forma como a investigação é montada também é digna de nota, pelas pistas sempre surgirem de modo a explorar o ambiente universitário e o universo de produção audiovisual onde os personagens estão inseridos. E ainda que a história traga alguns elementos Whodunit, por apresentar diferentes suspeitos que podem estar por trás dos vídeos Snuff, a trama investe em uma clara construção de suspense hitchcockiano através da relação cada vez mais íntima de Ángela com o enigmático e sedutor Bosco, que está sempre dentro do círculo de suspeitas. 

Embora o roteiro tenha muitos méritos, é a direção de Alejandro Amenábar que realmente torna a sua estreia em longas metragens um trabalho especial. Percebe-se na obra uma ousadia no uso da linguagem fílmica típica dos iniciantes talentosos, gerando trechos que se destacam dentro da obra sem soarem deslocados, como o interessante uso da música dos fones de ouvido de Ángela e Chema para destacar as suas diferentes personalidades. Amenábar também mostra ter uma excelente mão para a construção do suspense, trabalhando principalmente com o fora de quadro para mexer com a imaginação do público. Passagens como aquela em que dois personagens se encontram presos em um túnel escuro iluminado apenas pela luz de fósforos mostram o quanto o diretor é bom em criar tensão através de recursos relativamente simples.

É preciso dar o devido crédito para o elenco, por concederem aos seus personagens o carisma e a credibilidade necessária para nos manter investidos na história. Ana Torrent constrói os conflitos de Ángela de forma competente, não nos permitindo duvidar da inteligência da moça, mesmo quando ela parece tomar decisões tolas, já que Torrent interpreta a protagonista como alguém assustada não só pela situação macabra em que se meteu, mas por sua própria atração impensada por tal situação. Eduardo Noriega, por sua vez, interpreta Bosco como uma figura ambígua e sedutora sem parecer estar se esforçando para parecer suspeito. Mas quem rouba a cena é Fele Martinez, vivendo Chema como um jovem socialmente desajeitado com um gosto assumido pelo sinistro, que esconde as suas inseguranças atrás de uma fachada de grosseria e honestidade brutal. Um ator menos talentoso poderia facilmente ter feito de Chema um tipo, mas através de pequenas sutilezas, Martinez dá camadas ao personagem, expondo seus aspectos mais suaves, e também os mais sombrios.

Morte Ao Vivo é um grande exemplar do cinema espanhol; um exercício de gênero empolgante, sendo um thriller investigativo de terror atmosférico e até metafílmico em alguns momentos. Com a sua trama engajante, o filme discute o fascínio do ser humano pela violência, e a natureza voyeurística que esse fascínio assume quando é traduzida no audiovisual, seja através da ficção ou do jornalismo. Em resumo, um começo com o pé direito para a filmografia de Alejandro Amenabar.

Morte Ao Vivo (Tesis) — Espanha, 1996
Direção: Alejandro Amenabar
Roteiro: Alejandro Amenabar e Mateo Gil
Elenco: Ana Torrent, Fele Martinez, Eduardo Noriega, Xabier Elorriaga, Miguel Picazo, Nieves Herranz, Rosa Campillo, Paco Hernandez, Rosa Avila, Olga Margallo, Teresa Castanedo
125 Minutos

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