Em algum momento da pré-produção de Mortal Kombat, filme baseado na incrivelmente bem-sucedida franquia homônima de videogames, o elenco era formado não só por Christopher Lambert, mas também por Cameron Diaz como Sonya Blade, Steve James como Jax, Brandon Lee primeiro e, depois, Tom Cruise e em seguida Jean- Claude Van Damme como Johnny Cage, com uma ponta planejada de Steven Spielberg como ele mesmo no set de filmagens de Cage. Mas falecimentos e outros compromissos deixaram Lambert como a estrela solitária – e já cadente – em meio a diversos zé ninguém no segundo filme dirigido por Paul W.S. Anderson (então ainda assinando somente como Paul Anderson) e primeiro dele baseado em games.
E, por incrível que pareça, Anderson faz um bom trabalho aqui e, por “bom trabalho”, entendam isso em relação ao que o diretor é capaz de apresentar, ou seja, quando está em sua melhor forma, faz algo que até poderia ser considerado ligeiramente acima do mediano, algo que Mortal Kombat definitivamente é. Com texto de Kevin Droney em seu único roteiro cinematográfico, a história faz uso da base dos dois primeiros jogos da franquia para criar uma narrativa que coloca lutadores que representam o planeta Terra em um torneio mágico de lutas marciais em algum lugar entre dimensões que se parece com uma ilha paradisíaca com um castelo fantasmagórico no meio que pode significar o fim da vida como a conhecemos, já que a derrota significaria a dominação do planeta pelo Imperador Shao Khan (voz de Frank Welker).
Mas não é a história que prende atenção, já que ela não é mais do que uma desculpa qualquer para as pancadarias que se seguem, pancadarias essas, na verdade, que desapontam considerando que elas deveriam ser os grandes atrativos do filme. No lugar de grandes lutas, o que temos são lentos e curtos balés marciais que somente uma ou duas vezes realmente consegue sair do lugar-comum e apresentar algo realmente novo. Se brevemente lembrarmos de obras anteriores do gênero “luta”, provavelmente listaremos filmes como O Grande Dragão Branco e Kickboxer: O Desafio do Dragão (aliás, a inspiração primígena para o jogo em si foram justamente os filmes de Van Damme) que são centrados em combates marciais infinitamente superiores aos que Mortal Kombat tem.
Estranhamente, porém, apesar de falhar em roteiro e também nas lutas, o filme apresenta um conjunto bastante divertido que passa por aquela estrutura básica em que os protagonistas nos são apresentados em seus habitats originais, cada um com sua razão para participar do combate, precisando, claro, “evoluir” para realmente conseguir as vitórias necessárias. Temos Liu Kang (Robin Shou) como o lutador favorito da Terra, mas que somente quer lutar para vingar a morte do irmão, Johnny Cage (Linden Ashby) ator de Hollywood que é motivo de gozação e vai para o torneio para provar-se como lutador e Sonya Blade (Bridgette Wilson), soldada das forças especiais que entra nas lutas sem querer já que persegue o vilão Kano (Trevor Goddard), todos atraídos para o Mortal Kombat pelo vilão Shang Tsung (Cary-Hiroyuki Tagawa), que faz de tudo para conseguir a vitória, e todos ajudados pelo mago Lorde Rayden, vivido por Christopher Lambert. É, provavelmente, o elenco mais homogeneamente canastrão de qualquer obra cinematográfica, mas há um charme justamente por esses exageros, pelas caras e bocas, pelas “poses de luta”, pelos diálogos baseados unicamente em frases de efeito, pelo momento “dama em perigo” com roupa provocante e cabelo armado vivido de forma vergonhosa por Sonya Blade, e, claro, pela ridícula – e ao mesmo tempo hilária – voz sussurrada de Lambert com cabelo branco. É tão pavoroso que funciona.
Mas o que realmente funciona é o cuidado no lado do design da produção como um todo. Apesar de ter custado meros 18 milhões de dólares, a direção de arte, os figurinos, a maquiagem, os sets e os efeitos especiais são, em sua grande maioria, primorosos e, de certa forma, talvez exatamente por sua qualidade transitando entre o filme B e o filme de orçamento polpudo, tenha sobrevivido razoavelmente bem ao teste do tempo. Há um cuidado muito grande nos rebuscados cenários internos dos dois castelos que aparecem na projeção, com excelentes figurinos para as criaturas que ali transitam, além de um Goro (a fusão do trabalho corporal de Tom Woodruff, Jr., com a voz falada de Kevin Michael Richardson e os sons guturais de Frank Welker) de se tirar o chapéu feito com próteses de corpo inteiro e braços animatrônicos. Claro que a agilidade é inexistente no monstrão, afetando qualquer sensação de perigo que ele pudesse causar, mas o lado técnico é de se tirar o chapéu.
Por outro lado, o CGI para o Réptil (sons vocais de Welker também) é tenebroso como era de se esperar, além do figurino pobre dos três lutadores vilanescos que se parecem muito entre si e que são símbolos do jogo: Scorpion (Chris Casamassa), Sub-Zero (François Petit) e Réptil (Keith Cooke na versão humanoide “surpresa” como no jogo original). Mas é aquela velha história: para se ter o bom, às vezes é necessário ter também o ruim e o ruim, aqui, é bastante aceitável considerando-se todo o contexto da produção e a capacidade limitada do diretor em fazer de um limão uma boa e saborosa limonada.
Outro aspecto que torna a experiência divertida é o uso de uma eficiente trilha sonora de George S. Clinton que faz um sampling do temas dos jogos e das frases ditas no próprio filme com um resultado diferente, mas consistente com a narrativa autoconsciente de suas limitações. O resultado foi um disco de trilha que fez gigantesco sucesso na época, chegando a receber o Disco de Platina e a figurar de forma imponente na lista da Billboard.
Começando com escalações ambiciosas que foram caindo por terra até chegar a um elenco composto de indigentes (com exceção de Lambert, claro) que diverte justamente por não saberem atuar sem fazer caretas ou poses de ação, mas surpreendendo pelo cuidado geral da produção que consegue tirar o máximo do orçamento apertado, Mortal Kombat tornou-se um clássico trash noventista que diverte descompromissadamente. Certamente não é uma fatalidade!
Mortal Kombat (Idem, EUA – 1995)
Direção: Paul W. S. Anderson
Roteiro: Kevin Droney (baseado nos jogos criados por Ed Boon e John Tobias)
Elenco: Christopher Lambert, Robin Shou, Linden Ashby, Cary-Hiroyuki Tagawa, Bridgette Wilson, Talisa Soto, Trevor Goddard, Chris Casamassa, François Petit, Keith Cooke, Tom Woodruff, Jr., Kevin Michael Richardson, Frank Welker, Ed Boon, Kenneth Edwards, Steven Ho, Gregory McKinney, Peter Jason, Sandy Helberg
Duração: 101 min.