Difícil olhar para Morbius e não começar a questionar sua existência desde a sua concepção. Estamos falando de um caso escancarado de “filme produto”, daqueles sem quaisquer resquícios autorais como cinema. Uma obra que tem como único objetivo gerar lucro para a Sony, que não satisfeita em sugar dinheiro da Marvel com a parceria compartilhada dos direitos do Homem-Aranha, providencia esses filmes solos dos vilões desconhecidos do aracnídeo (sem a sua presença) que ninguém pediu, mas que sabem que muito trouxa (eu incluo aí) vai pagar para vê-los, nesses tempos de febre de super-herói.
É evidente o quanto a Sony deseja entrar na concorrência bilionária da Warner (DC) e Disney (Marvel), mas ao contrário das outras duas que apresentam minimamente uma solidez de produto enquanto projeto de franquia , a produtora encabeçada pelo executivo Avi Arad não tem a mínima ideia do que está fazendo ou do que quer fazer com os personagens di$ponivéi$. Venom, por exemplo, começou no papel com classificação indicativa para maiores, sendo higienizado no caminho e se tornando (especialmente na continuação) um herói piadista “crianção” de comédia pastelão. Morbius segue um caminho semelhante, embora não termine tão paspalho quanto o simbionte alienígena.
Os primeiros trinta minutos, devo dizer, até conseguem estabelecer com veemência os elementos clássicos de filme de origem, apresentando motivações críveis para a obsessão do personagem em resolver o quadro de sua deficiência física e dimensionando essa dramática para um panorama interessante de conflitos do tipo “causa e efeito” gerados pelo vampirismo. Caso focasse exclusivamente nessa dinâmica de O Médico e o Monstro, do humano tentando controlar a fera dentro de si e eventualmente perdendo o controle da sede de sangue numa jornada também de decadência moral, tinha-se potencial para um verdadeiro filme de vilão (ainda raro no cenário do gênero de herói), verificado por uma tradicional estrutura de filme de monstro (ou melhor, filme de vampiro) e uma performance esforçada de Jared Leto que faz de tudo para dar uma seriedade digna ao arco narrativo.
Infelizmente, nas exigências do estúdio, em determinado momento, o arco precisa ser ignorado para transformar seu protagonista num anti-herói e, consequentemente, pô-lo para enfrentar um vilão que compartilhe dos mesmos poderes, fazendo-os trocar socos digitais necessários para qualquer filme de bonequinho ser considerado “legal” pelos “fãs”. Inclusive, não acho de todo ruim o clichê de transformar o melhor amigo do protagonista, Milo (Matt Smith – simplesmente constrangedor em cena) no seu arquirrival. O problema é que inexiste motivação para fornecer tal virada, podendo ser resumida em um “ciuminho” do amigo, que de figura tímida e introspectiva vira um galã babaca e “gostosão” tirado diretamente dos piores momentos de The Vampire Diares ou Teen Wolf.
Aliás, esteticamente, o visual dos vampiros lembra muito essas produções televisivas citadas, na superforça fortuita com corridas rápidas e voos acompanhados de um vulto preto difícil de se captar na bagunça que é a geografia das cenas de ação. A pobreza das concepções visuais e a poluição de sua execução, no entanto, é bem mais culpa da montagem do que na incompetência criativa da direção de Daniel Espinosa. O cineasta (que não é ruim) tenta frustrantemente aderir a uma atmosfera sombria para a imersão do telespectador, mas é cessado por uma necessidade injustificável de pressa na contagem da história, possivelmente uma interferência do estúdio. Cria-se assim uma difusão rítmica da narrativa, onde cenas em sequência não aparentam conversar umas com as outras, como se fossem uma mera colagem aleatória.
Parece que o filme está desesperado para chegar logo ao clímax, mas antes disso precisa resolver várias subtramas e fracos desenvolvimentos de secundários (desinteressantes) abertos no primeiro ato, quando o ritmo era cadenciado, fazendo com que pareçam mais desvios de rota e não resoluções obrigatórias, truncando toda a logística de progressão inicialmente pensada por Espinosa. Também as referências a Dracula, Batman Begins (os vários morcegos…) e outras claras inspirações estéticas para a criação do protagonista soam jogadas, pequenos plágios que retificam a colcha de retalhos e incertezas criativas desse projeto da Sony.
A escolha de um personagem tão irrelevante como o segundo ponto de expansão desse novo “universo” compartilhado já diz muito sobre o quão perdidos ou desinteressados estão com o próprio produto. As cenas pós-créditos então, onde estão os únicos momentos em que Morbius se conecta com elementos de outros filmes (com isso eu entrego também que nenhuma daquelas cenas conectivas indicadas pelos trailers, estão no filme), beiram à sacanagem. Uma total falta de noção com o público minimamente esforçado em dar uma chance para esses filmes.
Nesse sentido, Morbius é exatamente o que se esperava que ele fosse, embora veja, em momentos pontuais, uma execução com mais valores do que supostamente, na prática, tinham como entregar, pensando no quão pouco de conteúdo e interesse existem para se contar essa história. Tanto que as virtudes que a fazem não ser uma bomba completa, destacam bem onde está o erro e quem é que erra. E, caso continuem a alimentar essa máquina, veremos provavelmente mais erros por aí: Kraven, O Caçador; Madame Teia, Gata Negra, Silver Sable e um possível final de trilogia para o Venom. Honestamente, espero que ainda dê tempo de cancelarem esses equívocos.
Morbius (Idem | EUA, 2022)
Direção: Daniel Espinosa
Roteiro: Matt Sazama, Burk Sharpless
Elenco: Jared Leto, Matt Smith, Adria Arjona, Jared Harris, Tyrese Gibson, Al Madrigal, Michael Keaton, Zaris-Angel Hator, Joe Ferrara, Charlie Shotwell, Joseph Esson, Jason Rennie, Aryan Moaven, Christopher Louridas, Oliver Bodur, Tom Forbes, Clara Rosager, Corey Johnson
Duração: 104 minutos.