Primeira história da edição 214 da revista Mônica (Editora Globo), A Noite das Garotas nos traz a primeira aparição de um dos personagens mais divertidos e interessantes do Universo de Mauricio de Sousa criados após a Era de Ouro do projeto: a Jumenta Voadora, um fantasminha de Sococó da Ema que é uma fervorosa adoradora e protetora dos tapaués. Nessa primeira aparição, ela surge como parte de uma história contada pelo Cebolinha para Mônica, Magali e Denise, que estão fazendo mais um encontro noturno regado a refri, comidinhas e fofocas, e que acaba sendo atrapalhado pelo troca-letras, ao lado do Cascão.
Formada também pelas partes O Acampamento Assombrado e A Invasão Homens-Lesmas, o texto está muito mais interessado em trabalhar uma “guerra dos sexos” infantil do que explorar de verdade os elementos de horror que recheiam a trama. Focando na relação entre os meninos faladores e valentões (mas covardes diante do perigo) e as meninas supostamente frágeis e medrosas (mas corajosas ao enfrentarem o desconhecido), o enredo mostra de forma bem divertida a presença de coisas sobrenaturais ou estranhas ao cotidiano da Turma, primeiro pelo fantasma da jumenta, depois pela chegada dos alienígenas, que infelizmente acabam tendo uma finalização meio corrida e um tanto sem sentido, pois do nada os pais da Mônica aparecem ajudando na “limpeza”, levando as lesminhas dentro dos potes (após receberem sal nas costas) para o disco voador.
Mas o lado verdadeiramente importante de A Noite das Garotas, que é a brincadeira com a coragem partindo de cada gênero, tem um bom encerramento sim. É engraçado como a personalidade de cada um se encaixa bem na sequência de ações que lidam com o inusitado, sempre cercando o tema de disputa (meninos vs. meninas) e, tanto nos momentos de medo/crise, quanto nos momentos de zombaria que uns fazem com os outros, coloca em cena aquilo de mais cômico e de mais memorável que cada um possui. Um charme no tratamento que deixa tudo melhor, com um sabor de abordagem clássica que nós, leitores mais velhos, adoramos.
Em continuação à aventura principal temos Bidu e Zé Esquecido: Onde Foi que Eu Errei?, uma daquelas historinhas com animais que constam nessas revistas da Turma e que a maioria de nós simplesmente adora. O fato de ter Zé Esquecido no enredo já é um ponto a mais. Esse é o tipo de personagem cuja característica principal pode ser explorada através de um número muito grande de piadas, e elas ficam ainda melhores quando não são apenas utilizadas de maneira óbvia, apenas pelo que são (o fato de o Zé simplesmente esquecer das coisas), mas também por jogos de palavras e inversões de percepção sobre “esquecer-se“. A correria que Bidu faz ao lado do amigo é compensada por constantes surpresas no caminho, coisas que sempre fazem os cães correrem na rua, mas como eu disse, com uma boa pitada de situações inesperadas que nos tira boas risadas e nos faz compartilhar a irritação de Bidu no encerramento.
Sabem aquele amigo cheio de manias e hábitos que a gente não entende de onde que ele tira tanta estranheza? Pois bem, em Pipa e Zecão: Será Que Vale a Pena? temos exatamente esse tipo de situação acontecendo, com Zecão observando como um maluco, por horas a fio, um Pintassilgo dos Alpes, enquanto Pipa tenta dar suporte ao hobby do amigo. O mais curioso aqui é que a gente não consegue saber se Zecão estava mesmo falando a verdade sobre ser um candidato à Associação Mundial de observação dessas aves ou se ele só tinha mesmo mania de observar esses pássaros. Fica aí o questionamento no ar.
A aventura muda da revista traz uma parte da Turma e se chama Foi um Tombo!?, onde a pobre vítima é a Mônica. Eu não sei vocês, mas eu adoro ver pessoas caindo, desde que não se machuquem sério. Comédias slapstick normalmente me pegam fácil porque esse tipo de humor físico frequentemente me faz rir de verdade. E olha, por mais simples e bobo que tenha sido esse conto, eu não me segurei vendo toda a jornada ‘tombística‘ da Mônica pelo bairro. Pelo visto ela não acordou com o pé direito nesse dia. E pelo jeito, nem o Cebolinha, que assume o papel em que eu estaria, se fizesse parte desse Universo: apanhando por rir da desgraça alheia.
Marina: A Escolha segue dois caminhos críticos de abordagem muito bons. O primeiro deles diz respeito ao talento que cada um tem. Ao treino, esforço e tempo que dedicam a esse talento e à recepção que as pessoas próximas fazem desse trabalho. A maioria de nós, imagino eu, nunca seguiu o sonho profissional que tinha quando criança. E se isso estava ligado a algum talento, surgem muitas perguntas de espanto sobre o motivo, já que “tínhamos tudo para crescer naquela área“. Nessa história, onde Marina desenha retratos de toda a turma, mas é escrachada por todos, nos dá o que pensar sobre esse assunto. Já o segundo caminho crítico que o roteiro toma é bem mais sutil (embora seja o mais socialmente relevante nos dias de hoje), e dá conta da dificuldade que muitos têm de se aceitar como são, rejeitando qualquer visão realista de seu corpo, de suas características físicas, não raro optando por atalhos cirúrgicos ou truques digitais para “contornar” esse “problema”.
Trazendo a minha segunda arte favorita da revista (a primeira, sem dúvida, é a de A Noite das Garotas) Turma da Mata: Se Cuida, Jotalhão! prova que nem todo cuidado, por mais bem-intencionado que seja, é puramente altruísta. E na boa, está tudo bem que assim seja, o importante é que não haja nada de mal por trás do tal cuidado. Nessa história, vemos a Turma da Mata se derreter de atenção para cima do Jotalhão, num tempo que parece ser uma mudança de estação do ano. Todos estão muito gentis, oferecendo chazinhos, sucos e proteção para o grandalhão, que estranha um pouco do cuidado extremo, mas não pensa em nada específico. Até que ele espirra, ao final da história, e descobre por que ninguém queria que ele apanhasse um resfriado. A quebra de expectativa que o roteiro constrói é aplaudível, cada fase de cuidado tendo um ponto engraçado e também um certo elemento de dúvida, porque o leitor começa a ficar desconfiado com tanta gentileza. Até que descobre a verdade.
Só quem saiu para passear com um cachorro muito ativo entende toda a luta mostrada em Mônica: Não Corre, Monicão!. O jogo que o roteiro faz dessa vez é com a repetição de um ato e a futura interrupção deste ato, dando a possibilidade até de uma pequena leitura moral, se gente espremer o texto um pouco mais. O engraçado é que o desenvolvimento da história está marcado por uma boa comédia física, lembrando um pouquinho as ações de Foi um Tombo!?, que como eu já disse, acaba tendo muita graça para mim. E para coroar o término da revista, lemos uma tirinha vertical que, de forma metalinguística, brinca com o peso da Mônica, fazendo o chão do seu quadrinho quebrar. Dessa vez, pelo visto, o Cebolinha não estava errado não!
Mônica #214: A Noite das Garotas (Brasil, abril de 2004)
Editora: Globo
Roteiro: Mauricio de Sousa, Emerson B. Abreu, Elisabeth M. B. Sena, Evandro Alves, Flávio T. de Jesus, Felipe C. Ribeiro, Patrícia Machado, Gerson L. B. Teixeira, João E. Xavier, Gustavo F. Teixeira, Marcelo B. Lacerda, Paulo R. Back, Robson B. Lacerda
Arte: Laura C. Ferraz, Sidnei L. Salustre, Altino O. Lobo, Carlos A. Pereira, Emy T. Y. Acosta, Enrique Valdez, José Aparecido Cavalcante, Lino Paes, Olga M. Ogasawara, Ricardo Roásio, Roberto M. Pereira
Arte-final: Paulo R. M. Costa, Patrícia L. Zaccarias, Romeu T. Furusawa, Sérgio T. Graciano, Tatiana M. Santos
84 páginas