Filmado e co-produzido em Taiwan, com apoio financeiro de Áustria, França e Bélgica, Moneyboys explora a homossexualidade masculina a partir de uma ancoragem de classe, de sociedade e de sentimentos pessoais em fase de amadurecimento. Fei (Kai Ko) é um jovem do interior que sustenta a família com dinheiro de “tráfico de drogas”. Ao menos é isso o que ele diz a todos. Na verdade, o jovem é garoto de programa, e só se deita com homens. Enquanto o dinheiro que vai para a pequena vila onde nasceu tem a suposta origem criminosa, parece haver uma “cegueira social de aceitação”. Mas existem algumas desconfianças e pressões sociais que indicam que os mais velhos jamais aceitarão o fato de que Fei é um homem gay e vende o corpo para sobreviver. Muitas camadas se sobrepõem em Moneyboys, e o diretor C.B. Yi registra esses dramas com um grande frescor visual e uma inteligência narrativa que dá gosto de ver.
O conflito entre a zona rural e as “novas e estranhas ideias da cidade” estão no cerne do filme, mas o roteiro, também assinado por Yi, não fica andando em círculos, requentando a premissa da discriminação. Na verdade, essa característica é apenas uma faceta coerente da trama, que aparece em momento oportuno, se solidifica numa excelente e inquietante sequência de jantar, e volta organicamente para as entrelinhas. Já na estampa do longa, vê-se uma linha dramática sobre a relação amorosa de Fei com um de seus colegas de trabalho, amigo e eventual amor. As agruras financeiras dos personagens servem de justificativa para a escolha da atividade de prostituição, mas isso também não assume um protagonismo no enredo. A habilidade do texto é grande ao trazer problemáticas sociais e ideológicas densas, sem transformar o filme em uma palestra batida sobre como o preconceito molda negativamente o corpo, o espírito e o destino dos indivíduos que sofrem esse dilema.
A ânsia por uma vida digna, por ter dinheiro, por conseguir alguma coisa material é costurada a uma ânsia ainda maior, que todos os personagens de Moneyboys compartilham: poder amar sem fingir e ser correspondido em seu afeto. O dilema é Universal, claro, mas nesse contexto específico ganha contornos mais rudes, que ampliam a reflexão. Entre encontros, conversas e festas (filmadas com marcante cuidado estético, em cores fortemente contrastadas, próximas do monocromatismo para se diferenciarem da estética restante do filme), e algumas cenas de sexo ou solidão, o diretor nos mostra camadas de sofrimento se acumulando à máscara de prazer físico e responsabilidades dos personagens com o contrato social. A demanda da família pelo casamento, a aceitação muda de uma irmã, a problemática legal da profissão e os perigos, perdas, encontros e desencontros vão aumentando o fardo de Fei, que procura superar a última tragédia sentimental abrindo-se para o amor, mas não sabe direito o que fazer daí pra frente. Há um senso de humilhação particular desses personagens, que além dos tropeços externos, devem escalar questões internas como baixa autoestima, culpa, síndrome de impostor e codependências.
A passagem entre alguns blocos dramáticos às vezes desorientam a continuidade, mas esta é uma opção que entendemos fazer parte da desconexão dos personagens com o que está ao seu redor, e, às vezes, até com eles mesmos. Há uma dificuldade em criar raízes, porque todas as tentativas foram frustradas, incompletas ou fingidas, o que não ajuda em nada a busca para encontrar a paz interior. Os homens de Moneyboys sabem que não estão sozinhos, mas a presença de outros na mesma situação não cria o cenário ideal para a mudança. Pelo contrário, amplia o problema, numa espécie de “solidão coletiva” que parece doer ainda mais. Aqui, os níveis de barreiras da existência estão em todos os lugares, e o ótimo elenco transmite essa melancolia resiliente sem traços desnecessários de melodrama. Uma trilha sonora muito bem escolhida e utilizada serve como ponte entre os espaços de felicidade e completude, e todo o vazio que resta a essas pessoas de quem muito foi tirado ou negado. Há muita incerteza no ar. Mas também há vida, boas memórias e possibilidade de seguir em frente. Uma coisa é certa: esses homens jamais deixarão de tentar encontrar o que procuram.
Moneyboys (金錢男孩) — Taiwan, Áustria, França, Bélgica, 2021
Direção: C.B. Yi
Roteiro: C.B. Yi
Elenco: Kai Ko, Chloe Maayan, Yufan Bai, J.C. Lin, Qiheng Sun, Yan-Ze Lu, Daphne Low, Mu Chen, Teng-Hui Huang, I-Hsiung Lin
Duração: 120 min.