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Crítica | Mommy (2014)

por Gabriela Miranda
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Um quadrado. A tela do cinema se dimensiona e se aperta para excluir os excessos e ampliar os detalhes. Essa escolha estética cativa desde a primeira cena de Mommy e provoca um “uau” explosivo ao atrelar isso ao estado de espírito dos personagens. Por duas vezes a tela se abre com o intuito de arregaçar as emoções que aliviam o drama ao máximo, a partir da ideia central de liberdade. Afinal, este é um filme de impactos, colisões e contrastes. E tudo o que é encadeado pela edição — de timing certeiro –, desde as músicas que conectam até as ações que inspiram, consegue dialogar com a luz e sombra de cada personagem, com cores que aquecem a paleta e dão uma concepção de profundidade à narrativa.

É nisso que Mommy se destaca, na maneira intrínseca como abusa das possibilidades estéticas e cria intensidades que eletrificam o espectador. É impossível desviar o olhar. A caixinha desenhada na tela te proíbe de buscar fôlego, que só chega quando o personagem Steve permite. A interpretação do ator revelação de Cannes, Antoine-olivier Pilon, é emocionante e sensitiva. Ele é Steve. Doce e carinhoso, o rapaz sofre com TDAH mas nem isso ou os acessos de fúria o impedem de sonhar em estudar na Julliard.

Composto, quase que exclusivamente, por cenas potentes e cheias de emoção e beleza, esse longa canadense percorre um traçado interessante com o roteiro escrito pelo diretor Xavier Dolan. Nele, um governo fictício acaba de aprovar a lei S-14 que permite aos familiares abandonar os jovens problemáticos aos cuidados do governo a qualquer momento, sem contar com burocracia alguma. O cenário do filme já se fecha nessa possibilidade e assim vemos as implicações e desafios de mãe e filho.

A mãe vive um contexto deslocado — o que pode muito bem ser identificado pelo guarda-roupa com influência dos anos 70 — e volta a viver com o filho, depois da expulsão por delito de um internato correcional. Esse é o golpe inicial que desarranja o prumo de Die, interpretada por Anne Dorval. Essa mãe não tem as respostas, ela não é a figura resolvida que vai ajustar a desordem. Ela é tão perdida quanto o filho. Nesse sentido, as referencias ao filme Esqueceram de Mim trazem familiaridade à trama e é mais uma história dentro da história com a relação do filho que só cria problema e fica abandonado em casa, mas dessa vez a mãe se iguala no estado de desamparo.

Outra história contida em um olhar e que aparece de relance é a sexualidade do garoto.

Entre tantos esbarrões, uma pessoa entra em cena para equilibrar a equação. Do outro lado da rua onde moram está a personagem de Suzanne Clement, Kyla. Uma mulher com claros problemas emocionais que a fazem prender as falas dentro dela mesma, soltando com dificuldade aquilo que ela quer dizer. Juntos, os três se apoiam para sobreviver aos conflitos e recuperar a esperança. Uma esperança que ganha mais um fôlego no último segundo do filme.

O desacato às imposições parte da maneira como o diretor foge do tradicional e permeia o escopo das personagens. Com seu 5° filme, ganhador do Prêmio do Júri em Cannes, Dolan mostra que sabe como fazer funcionar uma história usando criatividade visual e sensibilidade de composição e execução, além do refinamento em extrair interpretações marcantes dos atores. A cena final fica. A cena inicial fica. Todas elas ficam grampeadas na mente do espectador que é convidado para uma experiência sensorial feita sob medida para a tela de cinema.

E o filme é uma linguagem própria de comunicar o amor de Xavier Dolan com a figura materna. Segundo a nota do diretor, em sua estreia com Eu Matei Minha Mãe (2009) ele quis de certa forma punir a mãe e agora essa é a chance dela de se vingar. “Porque é para ela que eu sempre quero retornar. É ela que eu quero ver ganhando a batalha, é para ela que eu quero inventar problemas de modo que ela tenha o crédito de solucionar todos eles, é através dela que eu me questiono, é ela quem eu quero escutar gritar alto quando não dizemos uma única palavra. É ela que eu quero acertar quando estávamos errados, é ela, não importa o quê, que terá a última palavra“. E esse amor batiza o longa, Mommy.

Mommy (Canadá, 2014)
Direção: Xavier Dolan
Roteiro: Xavier Dolan
Elenco: Anne Dorval, Antoine-olivier Pilon, Suzanne Clement, Patrick Huard, Alexandre Goyette, Michèle Lituac, Isabelle Nélisse, Pierre-Yves Cardinal, Viviane Pascal, Natalie Hamel-Roy
Duração: 134 min.

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