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Crítica | Momentos Eróticos (Uma Garota Complicada)

Decadência moral e um pouco de insanidade.

por Luiz Santiago
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Baseado no conto La Marcia Indietro, de Alberto Moravia, Momentos Eróticos (ou, em tradução livre do original, Uma Garota Complicada) é um dos gialli mais leves que eu já vi, com uma baixíssima quantidade de mortes (apenas uma, na verdade) e um enredo que foca muito mais em uma crítica social à decadência moral e humana da burguesia tradicional italiana do que em assassinatos, suspeitos, perseguições e investigações. Considerando que é um filme de Damiano Damiani (também corresponsável pela direção de arte, um dos destaques da obra), o grande foco na denúncia não é de espantar. Tal abordagem faz deste um giallo bastante reflexivo, quase um estudo de personagens, tendo a tensão sexual e a premeditação de um crime como situações a serem desenvolvidas.

Escrito a seis mãos, por Damiani, Alberto Silvestri e Franco Verucci, Momentos Eróticos (Uma Garota Complicada) começa de maneira enigmática, quase onírica, trazendo uma sequência ousada, bem editada e visualmente muito bonita, com as “mulheres coloridas“. Alberto, o personagem de Jean Sorel, intercepta uma ligação entre duas mulheres e ouve a descrição do corpo e das ações libidinosas que as envolve. É o primeiro indício da característica voyeur do personagem e a primeira nuance de uma relação lésbica na fita, acompanhada de uma nuance cruel e abusadora. Sobre esse aspecto, vale dizer que tanto o homem quanto a garota com quem acaba se relacionando (Claudia, interpretada por Catherine Spaak) possuem características sádicas em seus comportamentos. A diferença entre os dois é que a jovem vai progressivamente mascarando essa tendência com exposições de sua sexualidade, enquanto Alberto vai dando vazão a sadismo encoberto, terminando por consumar um crime.

Um jogo sombrio se estabelece entre os protagonistas aqui, e embora o roteiro não faça muito sentido quanto ao encontro entre os pombinhos e seja bastante conveniente, às vezes, ao ponto da irritação, esse jogo tirará dos dois atores interpretações que se complementam muitíssimo bem. Se por um lado, as cenas de sexo entre ele são propositalmente mal filmadas e parecem querer puxar alguma rejeição do espectador (notem que não escrevi “repulsa“, mas certamente o diretor quis causar algum tipo de afastamento, estranhamento ou qualquer sensação de desconforto toda vez que Alberto e Claudia aparecem juntos na cama), os momentos em que eles estão juntos exibem uma relação que nos chama a atenção, especialmente quando estão teorizando a respeito de um possível crime a ser cometido.

O roteiro é inteligente nesse aspecto de preparação do delito e de colocação dessa possibilidade na vida dos personagens. Para Alberto, a coisa vem como um despertar macabro, como se ele estivesse sendo treinado por Claudia durante todo o tempo, sem se dar conta. A mudança é  notável. No início do filme, ele sequer consegue olhar para o irmão moribundo na cama. Sua alienação na vida é preenchida pela libido, que o atrai e o faz comportar-se de maneira impulsiva. O mesmo padrão pode ser dado a Claudia, embora no caso dela, o texto deixe bem clara a ideia de um jogo sendo executado. A graça do filme, aliás, é justamente a linha tênue posta entre a possibilidade de Claudia estar brincando sobre tudo, exagerando sua relação dela com Greta (Florinda Bolkan, sempre impactante na tela) ou o fato de ela estar fazendo tudo isso de propósito, conduzindo Alberto até status em que eles se encontram ao final do filme.

Quero ainda comentar uma sequência particularmente cruel aqui, que reúne diversas possibilidades criminosas e geração de traumas. A cena começa quando Alberto e Claudia convencem uma colegial, interpretada por Gabriella Boccardo, de que eles são agentes da TV e que querem levá-la ao estrelato. A tensão que o diretor consegue criar nesse momento é muito grande, e não precisa de nenhum artifício estético maior para funcionar. As coisas que o casal de falsos agentes podem fazer com a jovem colegial pululam em nossa cabeça, e essa possibilidade, junto ao isolamento dos personagens naquele momento, completam a angústia do espectador.

Em tempo, devo dizer que Fabio Fabor conseguiu algo muito interessante com a trilha sonora deste filme, destacando um tema minimalista ligado ao terror e fazendo todo um contraste sonoro com o restante da obra, forjando um cenário quase alegre, a combinar com a atmosfera falsamente sadia e feliz dessa sociedade que a fita representa. Uma sociedade de doentes da alma e da mente, de jogadores que usam a vida dos outros como peças em um tabuleiro e que terminam achando que fizeram a coisa certa; ou gozando dos benefícios que uma morte pode lhes trazer.

Momentos Eróticos (Uma Garota Complicada) — Una ragazza piuttosto complicata / A Rather Complicated Girl — Itália, 1969
Direção: Damiano Damiani
Roteiro: Damiano Damiani, Alberto Silvestri, Franco Verucci (baseado em obra de Alberto Moravia)
Elenco: Catherine Spaak, Jean Sorel, Florinda Bolkan, Gabriella Boccardo, Gigi Proietti, Luigi Casellato, Gino Lavagetto, Sergio Graziani, Maria Luisa Bavastro, Franco Leo, Gaetano Imbró, Guglielmo Bogliani, Luciano Catenacci, Franco Giornelli, Nello Riviè, Roberto Rigamonti, Margherita Simonini, María Cuadra, Malisa Longo, Anna Maria Perego
Duração: 100 min.

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