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Crítica | Moby Dick (Quadrinhos, 2014)

Uma jornada visual graficamente deslumbrante e filosoficamente estonteante.

por Leonardo Campos
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Escrever sobre Moby Dick, tradução visual do romance homônimo de Herman Melville é um deleite, principalmente quando podemos desenvolver a breve análise com a trilha sonora do filme inspirado na obra-prima em questão, composta de forma coesa e coerente por Philip Sainton. É um processo de tradução por detrás do outro, definidor de clássicos como este, revestido na contemporaneidade por uma numerosa quantidade de releituras e reinterpretações. Renomado artista francês com carreira sólida no campo de produção das graphic novels, Christopher Chabouté já tinha entregado ao público, versões de outros calhamaços da literatura, se demonstrando corajoso ao levar para o terreno visual, narrativas complexas como Divina Comédia, do italiano Dante Alighieri. Desta vez, ao adentrar pelo terreno estadunidense e deflagrar visualmente as peculiaridades da história que envolve o narrador Ismael, o vingativo Capitão Ahab e a misteriosa e poderosa baleia cachalote branca que nomeia o livro de 1851, o idealizador deste projeto reforça o seu potencial no campo de produção em questão, nos entregando 256 páginas que equilibram filosofia, traços incríveis e arroubos silenciosos poderosos. Se o romance é a obra-prima de Herman Melville, a sua tradução visual, neste caso, é a obra-prima de Chabouté, aliás, das versões desenhadas de Moby Dick.

Com sua edição deslumbrante em capa dura, lombada arredondada, papel que permite ressaltar os pequenos detalhes da impressão e, assim, transformar a leitura num acontecimento, Moby Dick não nos deixa saudosos em relação ao aspecto azulado de sua estrutura narrativa, quase toda desenvolvida nas caudalosas águas dos oceanos por onde passa a tripulação do Pequod. Digo isso por ser um apaixonado pelo azul e suas variações, cor que me fascina e traz calma. Aqui, o preto e branco, sabiamente sem imposição do cinza, nos entrega uma jornada de leitura muito envolvente, de riqueza visual eficiente dinâmica entre os personagens. O Capitão Ahab, constantemente ensandecido, nos faz lembrar o personagem de Gregory Peck no já mencionado filme de 1956. Caricato, sim, escolha assertiva do realizador desta publicação, necessária para a condução do espiral de loucura já proposto no romance que serve como ponto de partida. Ao perseguir a baleia, Ahab deseja recuperar a sua honra perdida.

Ismael, sempre contemplativo, acompanha a jornada com misto de assombro e fascinação. É uma mixagem de sensações nesta obra que delineia a pavimentação de um caminho que leva aos envolvidos para situações que reforçam a derrocada da mente humana. Épico, trágico, tal como o versátil romance de Herman Melville, a versão de Chabouté ainda respeita o primeiro imediato Starbuck, personagem que funciona como a “consciência” da tripulação, desolado pela queda de seu herói, o capitão que antes era pura admiração. Nas diversas traduções de Moby Dick para os quadrinhos, esta é uma figura ficcional que geralmente fica de fora. Na versão do artista francês, ele ganha o devido respeito, tal como a publicação em geral, desenvolvida por meio de quadros minimamente detalhados. Indo e voltando entre tensão e ritmo lento, tal como uma viagem marítima, a aventura da caça é mantida, mas o detalhismo dos personagens e de suas ações é mais ressaltado. O mar de Chabouté é negro e, suas composições, claustrofóbicas.

Como sabemos, Moby Dick é uma história de sinopse simples, mas desenvolvimento complexo. Em linhas gerais, é uma aventura que mescla gêneros narrativos diversos para versar sobre a ira de Capitão Ahab, homem que organiza uma tripulação para viajar em busca de óleo de baleia, item que era uma das bases da economia estadunidense no século XIX. Isto, ao menos, é o que é revelado para os viajantes que almejam mudança de status social. No entanto, neste percurso, expõe que o seu foco é caçar a baleia cachalote peculiar, de cor branca, muito simbólica. Nesta empreitada, vidas são ceifadas, a tragédia se estabelece e apenas o narrador Ismael fica para contar a história. Editada por Alexandre Callari, Bruno Zago e Daniel Lopes, a versão de Chabouté foi lançada aqui no Brasil em agosto de 2017, pela Pipoca e Nanquim, com tradução de Pedro Bouça e diagramação e letras assinadas por Arion Wu. Os editores se preocupam, inclusive, com a inserção de uma breve composição biográfica sobre Herman Melville, para que os leitores compreendam ao máximo o universo levado para a visualidade ao longo de suas cuidadosas páginas. Diferente das versões em HQ, aqui nós temos a presença das características básicas das graphic novels: temática adulta, densidade psicológica dos personagens, ruptura com as linguagens, multiplicação de focos narrativos, presença de subjetividade, num desnudamento do íntimo de seus personagens e delineamento de suas ambiguidades. Em suma, uma tradução que merece ser lida e amplamente conhecida.

Moby Dick (França, 2014)
Editora original: Vents d’Ouest
No Brasil: Pipoca e Nanquim, 2017
Roteiro: Christophe Chabouté
Arte: Christophe Chabouté
Tradução: Pedro Bouça
256 páginas

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