A maioria das versões animadas de Moby Dick busca no processo de simplificação do ponto de partida literário, o mecanismo para tornar a narrativa mais acessível ao seu público. Por já ter conferido praticamente todas as versões disponíveis no mercado por meio de lançamentos oficiais, posso garantir que extrair os elementos filosóficos e focar na proposta de aventura é o caminho utilizada nas traduções intersemióticas do romance Herman Melville. Diante do exposto, devo dizer que A Fera do Mar, um clássico exibido constantemente na TV Manchete, recorreu ao mesmo padrão. Isso não significa que a produção seja desinteressante, ao contrário, diverte e funciona dentro de sua proposta, no entanto, peculiaridades literárias que poderiam ter um melhor trabalho de planificação para integrar a trama ficam de fora, tudo em prol do entretenimento sem grandes barreiras interpretativas, afinal, a saga do Capitão Ahab, do narrador Ismael e da baleia cachalote Moby Dick não é uma leitura das mais fáceis, combinado?
Moby Dick é um relato de proporções épicas sobre os tripulantes do navio baleeiro Pequod, levados por Ahab para os confins do oceano Pacífico, tendo em vista caçar a baleia que um dia arrancou a perna deste personagem obsessivo. Os navegantes não imaginavam que esta seria a missão, afinal, tinham planos de melhorar na cadeia social desigual e pretendiam extrair o máximo de óleo de baleia, matéria-prima base da economia estadunidense na época, no entanto, entre tempestades, dificuldades nutricionais e outras celeumas, descobrem que o grande plano do personagem é caçar o cetáceo alvo de sua obsessão, uma proposta que os coloca numa trajetória de tragédia. Amaldiçoado, o Capitão Ahab e as demais figuras ficcionais do romance formam uma teia de reflexões sobre a condição humana. Esta busca incessante pelo animal misterioso não deixa de ser, também, uma alegoria para a caçada pelo conhecimento. Tudo isso, no entanto, só é reconhecido em A Fera do Mar para aquelas que conhecem o livro.
A animação feita para a televisão em 1977 não dialoga com tais complexidades, até mesmo porque seria algo a fugir do ponto de partida comum ao entretenimento. Assim, ficamos mesmo com as aventuras dos personagens, numa produção dirigida por Richard Slapczynski, também responsável pelo roteiro, escrito numa parceria com Alexander Buzo. Ao longo dos 51 minutos de A Fera do Mar, acompanhamos a jornada de Ismael rumo ao processo de autodescoberta, passando pela estalagem onde conhece Queequeg, logo depois, a busca de ambos por um navio baleeiro. Tudo culmina na obsessão de Capitão Ahab pela baleia cachalote peculiar de cor branca, numa trama repleta de liberdades criativas em relação ao ponto de partida literário. No final, em cima do caixão à deriva, Ismael, o jovem narrador, aqui eclipsado pela dinamicidade da história em si, focada nas desventuras em alto-mar, é o sobrevivente da jornada cheia de grandes surpresas e situações para contar para o resto de sua vida.
Com música de Richard Bawden e John Sangster, eficiente para o padrão narrativo estabelecido em A Fera do Mar, o espectador tem diversão garantida, mesmo com as suas limitações e envelhecimento de elementos da estética que não dialogam com o público atual, pedindo de quem assiste o velho processo de observação diacrônica, com distanciamento temporal, para entender que a produção se conecta com o que de melhor se produzia na época, por sinal, um período de ode aos cetáceos na cultura, haja vista o sucesso de Tubarão, dirigido por Steven Spielberg e inspirado no romance homônimo de Peter Benchley. É de 1977 também o lançamento de Orca: A Baleia Assassina, uma trama que aborda, tal como Moby Dick, salvaguardadas as devidas proporções comparativas, a saga de obsessão entre um ser humano e um animal, trama sobre personagens acuados por escolhas indevidas, acuados por forças da natureza que se sobrepõem e acossa os desejos humanos.
Moby Dick: A Fera do Mar (Moby Dick) – EUA, 1977
Direção: Richard Slapczynski
Roteiro: Richard Slapczynski, Alexander Buzo
Elenco original: Alistair Ducan, Barbara Frawley, Ron Haddrick, Peter Corbett, Beva Wilson
Duração: 51 min.