Lançado em 1930, em comparação aos demais filmes inspirados no romance de Herman Melville, esta versão de Moby Dick é, ao lado da leitura trash dos produtores da Asylum, uma das mais diferentes iniciativas de tradução para o cinema. O teor político e social, as simbologias e complexidades do romance entram em diluição para a facilitação do entendimento e fruição narrativa, numa proposta mais próxima do drama romântico, tendo em vista entregar entretenimento para o público e popularizar o volumoso livro, reconhecido apenas nos primeiros anos do século XX, bem depois de sua publicação em 1851. Ao longo de seus 80 minutos, a história mantém o mote geral do ponto de partida, entregando uma aventura que mescla romance, humor e não deixa, de certa maneira, de ser um interessante estudo das relações humanas no período em que se passa. Em linhas gerais, esta versão de Moby Dick é mais interessante por seu posicionamento na história do cinema, muito mais que a sua construção dramática e estética, razoável para o que a indústria dispunha na época.
Assim, os realizadores entregam aquilo que era possível se conceber na década de 1920, algo espetacular no olhar diacrônico de analise da imagem, mas nada espetacular e memorável no que tange aos aspectos dramáticos. Não ter grandes efeitos? Beleza. Mas deixar a qualidade do roteiro se esvair por isso? Jamais. E é o que acontece nesta versão. O mote continua o mesmo. Numa viagem para caçar baleias, o Capitão Ahab (John Barrymore) perde a sua perna num embate com o animal que leva o mesmo nome do filme. Irado, achando que ia deixar de ser amado por sua “prometida” Faith Mapple (Joan Bennett), ele se transforma numa figura cheia de ódio, obstinado a aniquilar o monstro que mudou para sempre a sua história de vida, apresentado em cena por meio do projeto de Fred Jackman, responsável pelos efeitos visuais.
Assim, com os demais tripulantes de um baleeiro, segue rumo aos caudalosos espaços tecidos pelos oceanos, dedicado ao seu projeto de vingança, isto é, matar a baleia cachalote e recuperar, de certa maneira, a sua dignidade. Neste processo de transformações e mudanças, ele alcança os seus objetivos, mas descobre também que o amor de sua vida jamais o deixaria por causa de uma mudança de ordem física. Moralista, intencionado em ser fofo, mas também cheio de momentos “incorretos” para as plateias militantes da contemporaneidade, como por exemplo, a passagem em que brinca com uma garota ainda menor, ou então, quando flerta de maneira desrespeitosa com uma mulher gorda, Moby Dick, caro leitor, é bem fruto de sua época e, se for analisado por olhares críticos atuais, deve ser estabelecida uma observação comparativa.
Produzido quatro anos depois da primeira versão cinematográfica, de 1926, Moby Dick traz mais uma vez o ator John Barrymore como protagonista de uma tradução intersemiótica do romance de Herman Melville. Conhecido por seus papeis em filmes de teor humorístico e trabalhos no âmbito teatral, o ator entrega um desempenho satisfatório para a proposta do roteiro de J. Grubb Alexander, dirigido por Lloyd Bacon: extrair as alegorias sobre simbologia mítica, religiosidade, questões políticas e sociais da época, no intuito de entregar ao público, uma versão livre do ponto de partida literário, investindo numa trama com doses generosas de romance e até mesmo um final diferenciado do que a tradição cinematográfica faria adiante nas traduções da história do Capitão Ahab e da baleia cachalote que nomeia o livro. Sim, nesta versão razoável o homem vence o embate contra a natureza. O animal é derrotado e prevalece o heroísmo da humanidade diante das imprevisibilidades do universo. Ademais, esta é a primeira versão sonora do romance.
Moby Dick (Idem/Estados Unidos,1930)
Direção: Lloyd Bacon
Roteiro: J. Grubb Alexander
Elenco: John Barrymore, Joan Bennett, Lloyd Hughes, Noble Johnson
Duração: 77 min