Home FilmesCríticas Crítica | Moana 2

Crítica | Moana 2

O oceano chama novamente...

por Luiz Santiago
7,8K views

A Disney levou algum tempo para decidir como capitalizar o sucesso inesperado de Moana: Um Mar de Aventuras (2016). A animação, ambientada no Pacífico Sul, já havia alcançado um impacto cultural inegável, e o estúdio buscava maneiras de expandir essa influência. Em dezembro de 2020, a diretora de criação do Walt Disney Animation Studios, Jennifer Lee, anunciou o andamento de um projeto intitulado Moana: The Series, que deveria estrear na Disney+ em algum momento de 2023. Embora não tenha havido nenhum aviso oficial, o estúdio desistiu de lançar a série. Foi, talvez, nesse momento que perceberam que a história merecia uma chance ousada: ser transformada em um filme para cinema, naturalmente intitulado Moana 2. Depois dos fracassos de Mundo Estranho (2022) e Wish: o Poder dos Desejos (2023), os produtores realmente não tinham muita coisa a perder. E, pensando bem, apelar para a nostalgia é uma tendência de mercado, então esta não foi uma decisão assim tão diferentona como muita gente está querendo fazer crer. 

A trama se passa três anos após os eventos do primeiro filme, acompanhando Moana em uma nova jornada de autodescoberta. O roteiro explora temas como legado, crescimento pessoal e a busca por novos horizontes, além de conexões com povos e culturas próximas. Agora consolidada como líder de sua comunidade, Moana sente uma inquietação crescente e um forte desejo de explorar novas civilizações. Impulsionada por uma visão de seu ancestral Tautai Vasa (Gerald Faitala Ramsey), ela parte em uma missão para encontrar a ilha mítica de Motufetu, tida como a chave para restaurar a conexão entre o oceano e os mortais, garantindo o futuro de Motunui, sua terra natal. Ao longo das primeiras cenas, é perceptível a evolução da protagonista, que demonstra maturidade ao equilibrar seus deveres como líder com os riscos de sua busca. A introdução de sua irmã mais nova, a fofíssima Simea (Khaleesi Lambert-Tsuda), adiciona uma dimensão emocional à história, revelando o lado mais protetor e afetuoso de Moana, que segue por todo o filme. Contudo, apesar do potencial dessa relação, o roteiro falha em desenvolver essas emoções de maneira convincente, deixando lacunas significativas na conexão que deveria fortalecer o vínculo entre os personagens e o público.

A dinâmica familiar é um dos poucos aspectos do filme que recebe uma exploração genuinamente sensível, somando peso emocional às decisões de Moana e contrastando com a impulsividade que a caracterizava no primeiro filme. Agora, mais madura, ela lidera uma tripulação composta por Loto (habilidosa construtora de barcos), Moni (navegador talentoso, artista e admirador de Maui), Keke (mestre agricultor) e os adoravelmente inúteis Puá (o porquinho fofo) e Hei Hei (o galo desajeitado). Com esse grupo, Moana está determinada a expandir os horizontes de Motunui, trazendo novas pessoas para sua ilha, reforçando o espírito explorador de seus ancestrais e promovendo diversidade. O problema é que esse enredo sofre com uma estrutura picotada, que mais parece seguir o formato de capítulos de uma série do que de um filme coeso. Essa segmentação é reflexo de uma edição que não se esforça para esconder as origens episódicas, e o resultado é um texto fraco e disperso, resolvendo pequenos conflitos e falhando em erguer uma narrativa solidamente unificada.

LEVES SPOILERS! 

Talvez o filme conseguisse sobreviver melhor a este mar de imprecisões se os seus dois antagonistas não fossem MacGuffins. Primeiro, a Batwoman Matangi (Awhimai Fraser), que tinha tudo para ser incrível, mas aparece por cinco minutos, serve um prato farto de ambiguidade (parcialmente bom, devo admitir) e desaparece do roteiro, para voltar numa cena dos créditos que chacoalha esse pedaço do Universo Disney e basicamente planta possíveis continuações de Moana até 2524. Caso pior ainda é o de Thanos Nalo (Fepulea’i, nos créditos), o deus das tempestades e, supostamente, vilão oficial da vez, que só conseguimos ver por silhuetas cercadas de luz roxa e manifestações naturais de nuvens carregadas, ondas grandes, raios e trovões. A rigor, Moana 2 não tem vilão, e não é preciso se esforçar muito para entender que a ausência corpórea e material de um antagonista nesse tipo de filme tem um resultado muito negativo, tirando muito peso da luta da protagonista, que parece apenas estar percorrendo um percurso difícil, sem um “grande chefe” para enfrentar. Para balancear, o retorno de uma figura de grande impacto e cada vez mais carismática, como Maui (Dwayne Johnson), quebra um pouco essa frustração geral, mas as falhas do filme em relação aos personagens antagonistas não são facilmente perdoáveis. 

Maui também está mudado. Ele se mostra mais humilde, aprendendo com os erros do passado e reconhecendo a importância de Moana em sua vida. A interação entre os dois é marcada por uma dinâmica divertida e genuína, fortalecendo uma amizade admirável que transcende a diferença de idade e status divino. O humor característico de Maui, aliado à sua força e habilidades sobrenaturais, cria algumas cenas muito divertidas, equilibrando a seriedade da missão com tiradas perspicazes que, ao menos temporariamente, cativam o público. O curioso é que quando falamos de qualidade estética, esse mesmo problema de “momentos bons por pouco tempo” não acontece. Isso porque Moana 2 é um filme absolutamente lindo, com um trabalho de textura, detalhes construtivos e cores muitíssimo bem aplicados (destaque para o realismo e movimentos que conseguiram dar à água) e uma riqueza visual que abarca com igual qualidade diferenças entre espécies, espaços geográficos, cores do céu, tipos de solo, vegetação e mais um grande número de outros detalhes tão bem feitos, que não será espantoso muito adulto sair do cinema acreditando que viu um “excelente filme”, só porque ficou fascinado bela beleza do que foi exposta na tela.

Mas note como essa produção é frágil. Enquanto goza de imensa qualidade plástica, Moana 2 padece da mais absoluta chatice musical, o que é uma verdadeira ofensa em se tratando de uma animação da Disney. O grande Lin-Manuel Miranda, compositor das músicas do primeiro filme, não faz parte da equipe desta continuação, algo que percebemos de imediato, pela falta de expressividade das canções da obra. As compositoras Abigail Barlow e Emily Bear tentam puxar quase tudo para o épico, replicando à distância algumas dinâmicas do original, mas isso não funciona. We’re Back falha em engajar o público; Finding The Way não consegue manter uma única estrofe livre de intervenções desnecessárias, destruindo o potencial da música; Get Lost ensaia algo muito bacana, mas tem uma estrutura confusa e um final abrupto e sem graça; e Can I Get A Chee Hoo? é um a piada de mal gosto se comparada à fantástica faixa de Maui no primeiro filme. É verdade que a trilha musical e as faixas étnicas compostas por Mark Mancina e Opetaia Foaʻi mantêm a qualidade que conhecemos antes, mas, sozinhas, não conseguem fazer uma produção com esta proposta e com esse peso sonoro (somado à nostalgia da trilha anterior) sair da linha da mediocridade. 

Moana 2 amplia o universo polinésio da Disney com novos desafios, personagens potencialmente cativantes e encontros inesperados, enquanto planta sementes para o futuro da franquia. O importante evento envolvendo a exploradora, no desfecho, e a promessa deixada pela cena de meio dos créditos, apontam para um horizonte vasto de possibilidades. Essas iscas mercadológicas, contudo, tropeçam numa narrativa fragmentada; na ausência de um antagonista significativo e numa trilha sonora que carece do impacto memorável do primeiro longa. Se esta continuação nos prova algo, é que belas imagens e nostalgia não bastam para criar uma boa história. Sim, é triste constatar, mas Moana 2 não está longe das muitas falhas que abundam na Disney de hoje em dia, e funciona como um lembrete de que potencial narrativo e apuro estético precisam caminhar lado a lado. O público definitivamente merece mais do que um simples repeteco com pouca imaginação. E o Universo de Moana é bom demais para ficar navegando nessas águas rasas, vocês não acham?

Moana 2 (EUA, Canadá, 2024)
Direção: David G. Derrick Jr., Jason Hand, Dana Ledoux Miller
Roteiro: Jared Bush, Dana Ledoux Miller, Bek Smith (material adicional de Bryson Chun)
Elenco: Auli’i Cravalho, Dwayne Johnson, Hualalai Chung, Rose Matafeo, David Fane, Awhimai Fraser, Khaleesi Lambert-Tsuda, Temuera Morrison, Nicole Scherzinger, Rachel House, Gerald Faitala Ramsey, Alan Tudyk, Jemaine Clement, Tofiga Fepulea’i, Jasmine Johnson, Tiana Johnson, Ata Johnson, Bryson Chun
Duração: 100 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais