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Crítica | Miyamoto Musashi

Uma lenda por outra lenda.

por Ritter Fan
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O espadachim, filósofo e escritor Miyamoto Musashi é um personagem fascinante da História do Japão que viveu nas Eras Azuchi–Momoyama e Edo, transformando-se não só em uma lenda em seu próprio tempo, como também uma figura cujos feitos sobreviveram até os dias atuais. Alvo de um sem-número de biografias literárias, talvez a mais famosa sendo o épico Musashi, de Eiji Yoshikawa e também em quadrinhos, nesta categoria sobressaindo-se a enorme e ainda inacabada obra de Takehiko Inoue, Vagabond, baseada na obra de Yoshikawa, realidade virou mito e mito tornou-se realidade a ponto de a figura lendária ser basicamente indistinguível da real, o que é outra prova de sua importância no imaginário popular nipônico que, com o tempo, alcançou o Ocidente.

O também lendário mangaká Shotaro Ishinomori, criador, dentre outros, das franquias tokusatsu Super Sentai e Kamen Rider, enveredou por algumas obras históricas, com a biografia em mangá de Miyamoto Musashi sendo sua primeira criação nessa linha, publicada originalmente entre 1971 e 1972 e colecionada em volume único publicado pela editora Pipoca e Nanquim em mais um trabalho exemplar, com tradução de Drik Sada. Vagabond pode até ser a obra máxima em quadrinhos sobre o famoso espadachim, mas o investimento de tempo em sua leitura é enorme, considerando os 37 volumes publicados até agora. A obra de Ishinomori não tem esse escopo, não aborda as minúcias reais e inventadas que gravitam ao redor de Musashi, mas ele entrega uma biografia que, em relativamente poucas páginas (quase 500, mas ainda assim poucas), consegue cobrir de maneira mais do que satisfatória o sujeito de seu estudo.

É perfeitamente justo afirmar que o mangaká concentra seus esforços de roteiro e arte nos anos de juventude de Musashi, usando uma estrutura levemente não-linear (uso “levemente” para traçar uma comparação com a abordagem completamente alinear que ele usa em Hokusai, outro de seus mangás históricos) que foca no desenvolvimento do personagem, de um jovem destemperado, rebelde e sem eixo, em um equilibrado estudioso do Caminho da Espada ao longo de seus vários e famosos (ainda que nem todos verdadeiros) duelos, sempre sacrificando seu lado pessoal, ou seja, deixando amigos e amores para trás. Trata-se da velha história de amadurecimento, mas com o protagonista elegendo a solidão para chegar ao ponto que deseja em sua arte mortal.

Ao escolher esse caminho, Ishinomori, naturalmente, acaba privilegiando sua arte, trabalhando a cinética elegante de Musashi em paineis impressionantes que misturam muito bem o estilo mais “juvenil” das fisionomias que desenha, com combates rápidos, poderosos e marcantes que tornam a leitura muito mais uma observação dos detalhes que ele insere em suas splash pages e páginas duplas do que uma leitura propriamente dita. Aliás, bem nessa linha, o mangaká é econômico em palavras, ainda que ele consiga transmitir a filosofia em desenvolvimento de Musashi, como podemos lê-la no famoso O Livro dos Cinco Aneis (ou O Livro dos Cinco Elementos).

Como corolário, perde-se muito do Musashi mais velho, já que Ishinomori, a partir de certa altura, descarta a estrutura que vinha usando e passa a narrar os anos finais do espadachim com uma arte mais estática, quase como se tivesse “desistido” de detalhar a vida dele, mas precisando completar a história. Não é um problema sério se o leitor souber o que esperar. Ishinomori dedica o coração de sua obra à pancadaria – mas não descerebrada! -, deixando a filosofia e os anos finais de Musashi como elementos que entremeiam a narrativa principal, mas sempre em segundo plano. O resultado é uma obra que até pode parecer incompleta, mas que, para mim, pareceu saber escolher exatamente o que queria, sem engodos e sem correrias. Não é a biografia definitiva de Myiamoto Musashi em quadrinhos, mas é um trabalho excepcional da Nona Arte que respeita e eleva o biografado ao Panteão que ele merece estar.

Miyamoto Musashi (宮本武蔵 – Japão, 1971/72)
Roteiro: Shotaro Ishinomori
Arte: Shotaro Ishinomori
Editora original:  Ushio Publishing (revista Kibou no Tomo)
Data original de publicação: 1971 e 1972
Editora no Brasil: Pipoca e Nanquim
Data de publicação no Brasil: 06 de janeiro de 2023
Tradução: Drik Sada
Páginas: 492

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