Home FilmesCríticas Crítica | Missão: Impossível – Acerto de Contas – Parte 1 (Sem Spoilers)

Crítica | Missão: Impossível – Acerto de Contas – Parte 1 (Sem Spoilers)

Alguém quer controlar o mundo.

por Luiz Santiago
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Os momentos modernos de mudança tecnológica da humanidade vieram acompanhados de produções artísticas que reforçam ou interpretam esses temores a partir de um olhar às vezes exagerado, mas não necessariamente irreal. Neste sétimo capítulo da saga Missão: Impossível, vemos como mote principal o surgimento de uma ameaça que dialoga bastante com temores hoje existentes em nossa sociedade, pensando nos rumos que a internet e as inteligências artificiais estão tomando. Como proposta, o filme segue os passos de seus predecessores (embora com menos elegância na direção), elencando tudo o que é possível num longa de ação frenética e alinhando-o a uma temática profundamente relacionável com os medos contemporâneos. Com raízes na ficção científica literária raiz — que inclusive gerou algo bastante parecido na última temporada de Westworld –, Acerto de Contas – Parte 1 prepara o terreno para encerrar mais um ciclo das escolhas de Ethan Hunt, deixando a impressão de que uma grande mudança está para acontecer. O mundo, os desafios e as formas de resolução desses problemas estão em transformação. Ao fim desse ciclo, Ethan — ou quem quer que seja o agente especial, se Tom Cruise largar o osso — terá um novo cenário diante de si.

Christopher McQuarrie está aqui diante de um problema conceitual. Quando dirigiu o muito bom Nação Secreta (2015) e o excelente Efeito Fallout (2018), o cineasta estava lidando com roteiros que conseguia dominar bem, considerando o seu estilo frenético de direção — como já tinha mostrado em A Sangue Frio (2000) e Jack Reacher: O Último Tiro (2012). Em Acerto de Contas – Parte 1, ele precisa reunir o máximo de elementos visualmente reconhecíveis pelo público num filme que possui duas diferentes linhas de abordagem: a primeira, trabalhando com o legado da saga e organizando as peças para o fechamento de um ciclo; e a segunda, ligada à história que está sendo contada especificamente neste filme. Quem já tem alguns anos a mais de cinefilia sabe muito bem que muitos filmes que encerram ciclos são problemáticos justamente porque não conseguem dosar adequadamente a disputa por espaço entre essas duas linhas narrativas. A pergunta é: o que deve ganhar mais atenção em um encerramento de fase, as lembranças do passado e suas consequências no presente… ou os problemas do presente que os personagens estão enfrentando? O equilíbrio é a palavra-chave e, ao mesmo tempo, o grande desafio.

A longa “abertura fria” do filme me fez pensar na face que McQuarrie quis dar à obra, extrapolando os elementos de espionagem e tentando inserir algo mais reflexivo (sendo um filme de legado, não é espantoso que isso apareça) paralelamente trabalhando algum romance, mantendo as divertidas cenas com disfarces à la Diabolik, e os esperados momentos de perseguição, que apesar de estarem muito bem encadeados pela montagem de Eddie Hamilton (o único setor técnico vitorioso da obra, para ser sincero) não possuem a força sequer da tríade de filmes iniciais da saga, que tinha uma quantidade bem menor de recursos e tecnologia e conseguia criar situações mais instigantes. Aqui, a impressão de repetição retorna de tempos em tempos para o espectador, e uma determinada gracinha que o diretor faz no meio de uma longa sequência de perseguição de carro mostra que o cineasta também escolheu os caminhos errados para fazer a quebra de atmosfera, suavizar o ritmo e reiniciar a disputa. Na interação com os personagens, isso funciona bem, e mesmo que tenhamos algumas cenas que talvez se alonguem mais do que deveriam (como um certo momento em uma certa ponte), eu ainda prefiro isso a ver piadinha visual inconsequente no meio de uma perseguição.

Aquilo que devemos cobrar de Tom Cruise (e não, não estou falando de alta dramaturgia) o ator sexagenário entrega em larga escala. Se fosse só pelas perigosas acrobacias que ele faz, já valeria o filme, e quero deixar registrado que a altamente alardeada cena dele pulando com a moto de uma montanha é sim uma cena absurda de boa, capaz de fazer a sala inteira suspender o fôlego. As melhores atuações, porém, estão centradas no trio feminino, formado por Ilsa (Rebecca Ferguson), Grace (Hayley Atwell) e Viúva Branca (Vanessa Kirby). A interação dessas mulheres com Ethan e os muitos times de agentes especiais em cena garantem momentos de pura tensão, com um “clímax ferroviário” que não é para corações fracos. Sim, tem Deus Ex Machina, tem conveniência cênica irritante (como diria o pai de alguém, “é tudo uma mentirada“), mas nesse contexto, essas coisas são — até certa medida — compreensíveis e perdoáveis.

Como o vilão do filme tem uma característica diferente da que estamos acostumados nas missões impossíveis, sentimos alguma incongruência na jornada para derrotá-lo (o foco narrativo sofre, aqui), o que evidentemente traz mais problemas para a obra, e mais uma vez nos coloca na trilha das escolhas do diretor para o tipo de filme que ele está querendo entregar: um legado no fechamento de um ciclo… ou o retorno de Ethan aos enredos de espionagem, agora com um toque tecnológico? Depois de sete filmes, aquele papo de “é só desligar o cérebro” não cola nem para os mais afoitos “passapanistas“. Para sobreviver com qualidade e empolgando o público além do oitavo filme (previsto para 2024), Missão: Impossível precisa voltar os olhos para a ação elegante de Brian De Palma, no original de 1996; e para o que de melhor nos trouxe nessa nova fase (Protocolo Fantasma e Efeito Fallout) a fim de não cair na maldição das séries cinematográficas que apenas repetem o seu grande material de marketing (as acrobacias e a ação à toda prova, nesse caso) enquanto todas as outras áreas são deixadas para trás. Se for apenas para ver absurdos acrobáticos em tela grande, sem uma boa história que lhe dê sustentação, é melhor ficar jogando GTA em casa.

Missão: Impossível – Acerto de Contas – Parte 1 (Mission: Impossible – Dead Reckoning Part One) — EUA, 2023
Direção: Christopher McQuarrie
Roteiro: Bruce Geller, Erik Jendresen, Christopher McQuarrie
Elenco: Rebecca Ferguson, Tom Cruise, Hayley Atwell, Pom Klementieff, Vanessa Kirby, Simon Pegg, Shea Whigham, Cary Elwes, Rob Delaney, Indira Varma, Ving Rhames, Esai Morales, Henry Czerny, Charles Parnell, Mark Gatiss, Mariela Garriga, Yennis Cheung, Greg Tarzan Davis, Frederick Schmidt, Ioachim Ciobanu, Mikhail Safronov
Duração: 163 min.

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