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Crítica | Miracleman: Olimpo (1987 – 1989)

Oferta ou imposição?

por Luiz Santiago
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Olimpo encerra a fase de Alan Moore (ou “O Escritor Original”, como hoje é grafado na série, por problemas com uma certa editora aí) escrevendo para Miracleman. É um arco um pouquinho maior do que os outros dois, começando e sendo narrado de um ponto de vista bem diferente daquele em que deixamos o herói em A Síndrome do Rei Vermelho. Há, de imediato, um salto de cinco anos em relação aos últimos eventos, e o roteiro encaminha a narrativa como um flashback, só que nada parecido com os modelos convencionais de narrar o “como se chegou até ali“. No texto de Moore, o presente é pincelado pelo passado, e apenas em momentos-chave é que seguimos numa interrupção das ações recentes para mostrar os horrores idos, e isso majoritariamente na sequência em que ocorre a liberação de Bates, o Kid Miracleman, com o inferno que ele desceu sobre Londres, a fim de chamar a atenção de seu nêmesis.

A linguagem poética de Sonho de Voar reaparece aqui em plenitude, às vezes até demais. O texto volta a ser consideravelmente difícil, as metáforas abundam e cada quadro narrativo se mostra uma exploração de ideias já apresentadas na série, mas que ainda não haviam ganhado um ambiente ousado e rápido de execução. E este ambiente é o mundo idílico, utópico e pretensiosamente “perfeito” criado por Miracleman, pala Miraclewoman (que eu jurava ter morrido no combate com Bates! Tomei um choque quando ela reapareceu, depois da batalha; talvez clonada, ressuscitada ou socorrida a tempo, vai saber…) e por duas raças alienígenas com quem acabam tendo contato: os Ferreiros Cósmicos e os Qys. Dessa união entre espécies, uma nova Terra e uma nova sociedade, mentalidade e humanidade são criados, num processo de “tornar-se Deus” que, sozinho, abre espaço para dias de boas discussões sobre deidades, construção da História, ressignificação da existência e o conceito de poder, em qualquer uma de suas implicações.

As novas ideias dos personagens para o presente e para o futuro são movimentadas através de um componente emotivo, exageradamente encantado e apaixonado pelo que é, pelo que sente e pelo que deseja. Os destinos são traçados sob uma visão divina; e sucessões de tênues linhas ético-morais são estabelecidas, sempre com Miracleman no centro. Depois que ele mata Michael Moran, uma novidade se apresenta para ele, em termos de comportamento: não estaria, a partir de então, assumindo o posto de Bates, que também renunciou ao seu lado humano e deu total vazão à sua casca divinal? O melhor de tudo isso é que o texto mescla essa problemática com atitudes que podem servir como boas circunstâncias atenuantes para a figura cheia de imposições (um verdadeiro Deus!) que se torna o protagonista. O mundo realmente se transforma, para melhor. Algumas ideias são destruídas, outras são reconstruídas, e um novo sistema, talvez uma estranha e impossível mescla de comunismo e anarquismo, surge no lugar da carcomida sociedade thatcherista onde tudo se passa.

A “montanha” é maravilhosa, mas esse símbolo do Miracleman (Woman) segurado pelas estátuas é HORRENDO e torna tudo meio patético. Não entendo como John Totleben pode conceber uma coisa dessas.

Embora cresça e se torne repleta de coisas e de seres maravilhosos, a Terra parece entrar em uma Era de interiorização, de recepção e gestação quieta de coisas, um misto de confusão e espanto diante da velocidade, tamanho e impacto da metamorfose antropológica e espacial; teórica e prática. Em inúmeros aspectos, me lembrou o trajeto que Perry Rhodan fez para construir o Império Solar, mas entra em cena, aqui, uma ligação com os mitos greco-romanos e com as muitas religiosidades e ramos ideológicos existentes.

Alan Moore finaliza o seu Miracleman com um status épico no quadro dramático e na riqueza de detalhes para os personagens. A ideia de “oferta versus imposição” é escancarada como debate final, e mais uma vez nos faz questionar o caráter do trabalho dos aliens e dos milagrosos que fizeram os humanos passar de parentes distantes de primatas a super-heróis num mundo que virou uma “história em quadrinhos” de si mesmo. Às vezes o texto é desnecessariamente hermético e algumas explicações sobre as mudanças parecem incompletas, mas o produto geral é de altíssima qualidade e nos faz contemplar, em um cenário diferente, o poder prático de um indivíduo à la Ozymandias, com seus planos de melhorias para a Terra e suas teorias sobre ele e os outros. Miracleman estava certo? A Terra estava melhor com ou sem ele? Se vivesse neste Universo, você se juntaria aos “sobreviventes” que recusam as benesses da Nova Ordem, ou abraçaria as mudanças? Diante do Olimpo e do que ele é capaz de fazer e nos trazer, não é fácil responder a essas questões.

Miracleman: Olimpo (EUA, 1987 – 1989)
Publicação original: Miracleman #11 a 16
Roteiro: Alan Moore (O Escritor Original)
Arte: John Totleben
Arte-final: John Totleben
Cores: Steve Oliff
Letras: Joe Caramagna
Capas: John Totleben
Editoria: Cory Sedlmeier
No Brasil (edição lida para esta crítica): Panini, 2015 – 2016
Tradução: Jotapê Martins, Fernando Lopes
144 páginas

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