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Crítica | Miracle Mile (1988)

por Michel Gutwilen
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Ao assistir alguns filmes, é inevitável ir construindo alguns pensamentos, inconscientemente, durante o desenrolar da narrativa, ainda que o final possa traí-los. Miracle Mile parece ser uma dessas obras, pois ele joga com a dúvida e até induz que tudo será revelado como paranoia do protagonista (há até um momento de auto questionamento na loja de departamentos). Assim, a primeira coisa que vem à mente, a partir dessa ótica, era como tudo girava em torno de um grande encadeamento de ‘causa-e-consequência’, sendo talvez fosse um dos filmes mais radicais do cinema nesse aspecto narrativo. 

Afinal, tudo começaria com uma simples informação falsa do protagonista e consequentemente, vai acontecendo uma série de acontecimentos, progressivamente mais caóticos. De um simples caos no ambiente micro (a lanchonete) ao caos anárquico de uma cidade inteira. Como tema central, a paranoia da Guerra Fria levada ao extremo, além de que como uma informação falsa, em telefone sem fio, pode desestruturar toda a sociedade. Sobre como o Homem pode ser o seu próprio inimigo.

Porém, com a dúvida levada até o minuto final, literalmente, eis que a bomba de fato explode. Então, esqueça-se tudo que foi dito até o momento (ao mesmo tempo, guarde tais informações), pois é preciso reconfigurar tudo que foi pensado sobre Miracle Mile. Afinal, a bomba mataria todos de qualquer jeito, ainda que não houvesse convulsão social e ninguém jamais soubesse, o que desconfigura a hipótese do filme ser primordialmente sobre causa-e-consequência.

A sequência inicial de Miracle Mile mostra o protagonista, como espectador, assistindo na TV um programa sobre a história da evolução humana, que abarca a criação da vida mais primitiva até o ser humano em seu estágio mais pleno. Os mais desatentos poderão achar que essa cena existe apenas para compor a piada que virá depois pelo protagonista, que diz que “a humanidade demorou milhões de anos para ser criada e eu demorei trinta anos para achar o amor da minha vida”. Após isso, estabelece-se espacialmente o primeiro encontro de Harry e Julie em um museu arqueológico, em uma sequência interessantíssima em termos de mise-en-scène, onde começa a haver uma espécie de ‘gato-e-rato’ entre os dois e o diretor Steve de Jarnatt decupa os planos a partir de uma dialética entre as pinturas pré-históricas, que estão ao fundo, e os dois personagens, que estão mais próximos à câmera.

Assim, fica evidente que esse filme jamais foi só sobre o ‘indivíduo enquanto o indivíduo’, mas ‘o indivíduo de hoje enquanto parte de um corpo social e de um ciclo da vida que repete historicamente milhares de anos’. Logo, Miracle Mile é justamente sobre a impossibilidade do livre-arbítrio, da causalidade, do homem enquanto centro do mundo, do anti-individualismo antropocêntrico. Pelo contrário, ele é sobre a ilusão disso tudo: achar que se pode fazer alguma coisa diante do Destino e que nós somos responsáveis por mudar o mundo, mas, no fim das contas, a história já estava traçada independente do Homem. Os habitantes de Miracle Mile que vagam desesperadamente à espera do fim do mundo são tão passivos como os dinossauros e, portanto, a história do mundo se repete ciclicamente. Portanto, têm-se uma visão determinista de vida.

Agora, por fim, volta-se a tudo que foi dito no primeiro parágrafo, quando se achava que Miracle Mile seria sobre a possibilidade do homem moldar seu próprio destino, adicionando as informações que o filme é na verdade sobre o oposto. Na verdade, as duas afirmações não são antagônicas, mas complementares, pois se dão em uma diferente esfera. Afinal, no fim das contas, a ação do homem foi inútil em uma escala macro, no que tange sua sobrevivência, porém não na escala micro, que é a possibilidade de ir em busca do amor. 

Tal suposição iria de encontro com o que o autor Charles Taylor, em “Hegel e a Sociedade Moderna” (pág. 46), aponta: “a liberdade para nós envolve assumir essa natureza [dada] e inovar dentro do âmbito de originalidade que ela permite”. Assim, o que podemos fazer diante do amor é a máxima expressão de liberdade do Homem, diante da natureza nada (o fim do mundo). Se Miracle Mile já acabaria de qualquer jeito, o caos social só acontece por conta de uma série de ações cometidas pelo protagonista, envolvendo a busca de sua amada. Ao colocar sua prioridade pessoal na frente da moral social, ele comete vários crimes e todos que estão ao seu redor também entram em um ciclo de traições, abandonando o personagem sempre que possível. Portanto, há um enfoque do roteiro em evidenciar a natureza individualista do homem. No fim, eis que Miracle Mile volta ao início de onde tudo começou, literalmente, que é o museu arqueológico, selando, ciclicamente, a história daquele amor. Se o mundo irá acabar de qualquer jeito e não há nada que se possa fazer quanto a isso, resta a liberdade de amar o máximo possível.  

Miracle Mile (Idem, 1988) — EUA
Direção: Steve de Jarnatt
Roteiro: Steve de Jarnatt
Elenco: Anthony Edwards, Mare Winningham, John Agar, Lou Hancock, Mykelti Williamson, Kelly Jo Minter, Kurt Fuller, Brian Thompson, Denise Crosby, Robert DoQui, O-Lan Jones, Claude Earl Jones, Alan Rosenberg, Danny De La Paz, Early Boen
Duração: 87 mins

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