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Crítica | Minhas Mães e Meu Pai

Tudo vai bem quando termina bem.

por Fernando JG
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Jules e Nic são um casal que juntas criam dois filhos frutos de doação de esperma no processo de inseminação artificial. Imperfeitas, elas tentam criar Joni e Laser da maneira mais correta possível, mas encontram com os percalços da adolescência latente que transforma Joni em uma jovem impaciente e Laser, num rapaz rebelde. No frenesi da idade misturado com uma curiosidade típica, os pupilos vão escondidos em busca do homem por trás da doação de esperma e acabam encontrando Paul, um cara de meia idade que fraternalmente os acolhe, iniciando uma relação que mudaria para sempre os rumos da então família. 

O filme, dirigido e co-roteirizado por Lisa Cholodenko, é uma bola de conflito em todos os níveis narrativos. Há um tensionamento da trama desde o início, quando os personagens se apresentam. Articula-se uma determinada insatisfação no olhar de Nic, que deixa transparecer mágoas adquiridas de um relacionamento a longo prazo. No entanto, não fica só por aí: os conflitos se estendem do casal para os filhos, dos filhos com as mães, e das mães com o pai biológico das crianças. Neste sentido, é como se Lisa explorasse um coming-of-age de fora da perspectiva do jovem-adulto, devido a tantos conflitos juvenis. Pelo início da película, talvez Lisa quisesse mesmo criar um coming-of-age, mas evolui o gênero para uma tentativa de drama familiar misturado com uma dose de comicidade cotidiana. Por falar em roteiro e personagens, segue-se a recomendação básica de apresentação, isto é, a roteirista aproveita-se a cena inicial do jantar em família para apresentar cada integrante, evitando qualquer enrosco do tipo no decorrer da trama. 

Ainda em roteiro, há problemas conceituais ligados à sexualidade das personagens. Faço as devidas ressalvas ao período em que foi lançado, o ano de 2010, momento o pouco se discutia sobre gênero e sexualidade. Mas soa um pouco antiquado que um casal de lésbicas assista à pornografia gay com a justificativa de que mulheres lésbicas em cena não demonstram sentir prazer, diferente do homem em que o sinal de excitação é, biologicamente, visível. Ou mesmo na ideia de que mulheres lésbicas quando estão em crise em seus relacionamentos, vão em busca de homens para satisfazê-las. Isso não confere. Não há ocasião em que mulheres lésbicas sintam vontade de se relacionar com homens, com exceção de mulheres bissexuais, o que não é o caso. O filme peca num determinado estereotipismo que pode prejudicar em um primeiro momento, mas que é possível ser superado pela fluidez interessante da trama fílmica.

A trama tenta colocar a culpa do descompasso do casal em ambas as personagens, como se a dizer que os problemas do relacionamento são causados por duas pessoas, mas não convence. O discurso de Jules, personagem de Julianne Moore,  ao final, tenta resgatar esse sentido de coletividade do erro, mas também não pega bem. Fato é que temos apenas uma culpada: Nic, interpretada por Annette Bening. É a parte do casal que visivelmente não se importa, que é durona demais, difícil de convencer, controladora em excesso, que tudo gira ao redor de si e tem pouco a falar do outro, sobre como o outro é especial e sobre como o outro está tentando dar o seu melhor. Em função disso, o casamento esfria naturalmente e Jules a trai com um homem, ou melhor, com o pai biológico de seus filhos, o homem que doou esperma há 19 anos, Paul, interpretado por Mark Ruffalo. O que temos é uma sequência de erros seguidos por uma redenção, que tenta rapidamente, e com pouca profundidade narrativa, colocar os pingos nos is. Os filhos aparecem como o elo de ligação do casal, o que dispensa da construção argumentativa qualquer cena da reconciliação do casal. 

Os personagens são bem desenvolvidos num todo e funcionam em conjunto. A história é agradável porque a sequência de ações que formam o todo gera peripécias interessantes que se alongam sempre para a próxima cena. Talvez o personagem de Mark Ruffalo merecesse uma cena final melhor desenvolvida para além da despedida. O que fica dele é a solidão? Se em determinado momento da trama Paul com lágrimas nos olhos relata que quer ter uma família, gerar filhos e ter um lar, por que tirá-lo de cena quando se podia desenvolver com um cuidado especial o seu desfecho? Fica uma lacuna. Apesar de ser anti herói, pelo menos para Nic, Paul também merecia ser feliz. Seu desfecho é melancólico porque, afinal, a película é uma reflexão sobre relações familiares e a força dos laços de família no momento de superação de adversidades.

Faz sentido que o álbum Blue, de Joni Mitchell, seja referenciado no terceiro ato, uma vez que serve como prelúdio da decepção amorosa que ocorrerá nas cenas seguintes. Apesar do conflito principal do filme, a sua resolução me soa inacabada, ou pelo menos eclipsada do enredo. Quero dizer com isso que a película é apenas razoável, muito embora seu argumento seja interessantíssimo, ainda que no seu clichê habitual. Minhas Mães e Meu Pai pode ser interpretado como uma jornada pela descoberta de si mesmo e também do outro, evidenciando que os erros fazem parte do itinerário, mas que o triunfo da felicidade está em saber contorná-los através do afeto, da atenção e empatia. 

Minhas Mães e Meu Pai (The Kids Are All Right, EUA, 2010)
Direção: Lisa Cholodenko
Roteiro: Lisa Cholodenko, Stuart Blumberg
Elenco: Annette Bening, Julianne Moore, Mark Ruffalo, Mia Wasikowska, Josh Hutcherson, Yaya DaCosta, Eddie Hassell, Zosia Mamet, Kunal Sharma, James Macdonald
Duração: 107 min. 

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