Há um prólogo e três capítulos em Mimosas (2016), cada um representando um tipo de posição do indivíduo perante Deus e os homens, ora como sinal de devoção e fé; ora com sinal de humildade. Dirigido e co-escrito por Oliver Laxe, o conteúdo da obra não tem nada a ver com o título, que na verdade é o nome do café onde o roteiro ganhou as suas primeiras linhas.
A trama se passa na Cordilheira do Atlas, em sua parte marroquina, e tem propósitos que dificilmente estarão claros para o espectador, à primeira vista. Assim como em O Lobo do Deserto (2014) estamos diante de uma jornada de nômades árabes, que atravessam regiões inóspitas e sobre as quais é difícil se locomover, com a intenção de chegar a uma determinada cidade. Com a morte do Xeique a caravana, a missão se desvia e passa a ter outro propósito: dar o descanso merecido ao velho homem morto, enterrando-o em um lugar por ele escolhido, perto dos seus. Só que há muito mais coisas em jogo do que apenas um enterro nessa viagem.
Uma coisa é inegável: Mimosas é um filme belíssimo. Assim como o já citado O Lobo do Deserto, e um filme dessa mesma safra de Mimosas, Lobo e Ovelha (2016), a relação do espaço geográfico com a vida das pessoas que trabalham, vivem ou percorrem esses lugares é de uma força dramática soberba, especialmente porque são bem filmadas. O diretor Oliver Laxe faz com que a saga através das montanhas do Marrocos seja vista em cenários de vegetação rala, de rochas cobertas de neve, regiões desérticas, rios e estradas d terra. Alguém pode até enxergar semelhanças dessa viagem com os princípios de abordagem geográfica vistos em Jauja (2014), mas a fotografia aqui não lembra uma viagem fantasiosa pelo misticismo. Ao contrário. A abordagem visual do fotógrafo e do diretor é completamente realista, mas o tema discutido, esse sim, envereda pelo simbolismo religioso.
Até a morte do Xeique, todo o foco narrativo do filme é compreensível e bem escrito, com recortes certos nos diálogos, para que só o essencial fosse dito, e destaque para a paisagem, para os silêncios de trilha e vozes — de onde vemos o bom trabalho de edição e mixagem de som –, fazendo poesia através de um ambiente natural desafiador e mortal para aqueles que precisam vencê-lo. Mas o filme não se fixa na primeira viagem. Ele envereda por uma discussão (sem que haja, de fato, uma discussão aberta) a respeito do que acontece com o corpo após a morte, das tradições islâmicas com pinceladas da cultura marroquina e da inserção de um personagem que parece ser um anjo da guarda.
Desse ponto em diante, mesmo com a divisão de capítulos, a narração não parece bem esquematizada, a opção por cenas não lineares atrapalham mais do que ajudam, e a entrega total do roteiro para que o espectador lide com essas infirmações sozinho, somente com base no que a natureza (divina) lhes indica, é o que faz a obra ser menor do que deveria. Vejam que indicações abertas podem sim existir nesse campo religioso/místico e funcionar perfeitamente, como no caso de Mal dos Trópicos (2004). Todavia, aliar a beleza geográfica a um tipo de ação natural de um povo e de toda a sua cultura e não dar elementos mais sólidos para o lado místico no meio disso tudo é deixar muitas oportunidades no meio do caminho, chegando a um estágio que seria bem melhor se fosse concluído.
Encontrar Deus, desafiar ou reafirmar a fé e pensar as obrigações pessoais (morais ou religiosas), são alguns dos conceitos que vemos em Mimosas. Claro que o filme vale muito mais por sua parte estética do que por sua parte narrativa, mas o espectador não deixará de apreciar alguns conceitos que o roteiro do filme expõe.
Mimosas (Espanha, Marrocos, França, Catar) — 2016
Direção: Oliver Laxe
Roteiro: Santiago Fillol, Oliver Laxe
Elenco: Ahmed Hammoud, Shakib Ben Omar, Said Aagli, Laaziza Ikram, Ahmed El Othemani, Hamid Fardjad, Margarita Albores, Abdelatif Hwidar
Duração: 96 min.