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Crítica | Miado (1960)

Um miau kafkiano.

por Luiz Santiago
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Se tem uma coisa que a estreia de Vera Chytilová, com o curta Miado, deixa clara, é que ela não veio para seguir regras. O filme já traz a marca provocativa e a grande ironia que a diretora desenvolveria ao longo da carreira, com um resultado simples, mas historicamente notável. Inspirado em Kleine Fabel, um mini conto de Franz Kafka, o filme tem um enredo cheio de camadas simbólicas, com um gato cínico, uma esposa materialista, um marido que esconde joias roubadas e um “visitante” fingido e oportunista. Parece uma história boba de máscaras sociais, mas Chytilová transforma a casa num palco de tensões absurdas, fazendo o público rever suas opiniões sobre esses personagens ao longo da projeção.

A adaptação de Kafka é sutil e eficaz. O clima de opressão e o sentimento de alienação marcam o casal protagonista, vindo à tona a ganância, a cumplicidade vil, o medo, e a necessidade de manter as aparências perante os vizinhos. Enquanto isso, o gato observa tudo com um ar de desprezo, quase zombando da hipocrisia e da pequenez de seus donos. Ele é uma das grandes sacadas do filme, representando o olhar crítico e ácido que permeia a comédia, enquanto a dona (Sra. K.), sempre preocupada com a polícia e com o que os vizinhos pensam dela e do marido (Sr. K.), almeja sair de sua vida medíocre, enchendo a casa de joias e deixando claro o quanto está presa às inseguranças sociais e políticas da época.

Aqui, Chytilová já mostra sua inclinação para o experimentalismo. A montagem do curta é fragmentada, os diálogos parecem pedidos de desculpa dos personagens e o resultado é uma tensão dramática constante, misturada com vergonha alheia e temor de consequências negativas. O espectador vira cúmplice do casal, torcendo para que o vizinho não descubra as joias escondidas. Já o gato parece ser um deus onisciente, julgando a todos, sem se importar com as ambições mesquinhas do casal que o alimenta.

No subtexto, a fábula está bem representada com toques de crítica social. A moralidade está por um fio, prestes a cair. A metáfora é clara: o casal, assim como o rato de Kafka, cai na própria armadilha ao tentar “dar um jeitinho” na vida. O gato, dublado pela própria diretora, é a inteligência externa, amoral; o já citado juiz malicioso que observa de longe e maldosamente incrementa a tensão. A diretora desconstrói o status quo e subverte algumas convenções narrativas. Mas nem tudo é perfeito no curta. O maior ponto fraco aqui é a falta de uma unidade mais coesa. O enredo apresenta pistas e levanta questões que acabam ficando soltas, sem real exploração ou fechamento satisfatório.

Mesmo não sendo um dos filmes mais conhecidos de Věra Chytilová, Miado é uma peça importante para entender o quebra-cabeça artístico da diretora. Com sua mistura de Kafka, crítica social e humor ácido, a produção é a semente do brilhantismo que a cineasta desenvolveria mais tarde. Uma pequena provocação fabular que nos dá uma boa amostra do que estava por vir.

Miado (Kočičina / Caterwauling) — Tchecoslováquia, 1960
Direção: Věra Chytilová
Roteiro: Věra Chytilová, Jan Hartmann
Elenco: Milos Kopecký, Libuse Havelková, Jaromír Vomácka, Vera Chytilová
Duração: 10 min.

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