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Crítica | Meu Nome é Dolemite

por Roberto Honorato
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Rudy Ray Moore foi uma das figuras mais irreverentes da década de 1970, fazendo sucesso com seus álbuns de comédia adulta depois de criar a persona Dolemite, um cafetão boca suja rimando sobre seu estilo de vida extravagante. O personagem ficou tão reconhecido e adorado que acabou indo parar no cinema, influenciando obras de blaxploitation, mesmo que Rudy se considere apenas um bom comediante, trazendo narrativas sobre violência, sexo, drogas e, por algum motivo, bastante kung fu (de acordo com ele, não se faz um filme para um público negro sem um pouco de nudez e artes marciais).

Ainda que não tenha se transformado em um nome tão evidente para o grande público no futuro como um Richard Pryor, por exemplo, continuou sendo uma fonte de inspiração para vários diretores independentes, rappers (por conta de sua facilidade para rimas recebeu o título de “Padrinho do Rap”) e comediantes. Um deles é Eddie Murphy, que estrela a biografia Meu Nome é Dolemite, sobre a carreira de Rudy. A obra decide focar na jornada de Rudy Ray Moore como um cantor fracassado trabalhando em uma loja de discos que logo descobre o talento para contar histórias e entreter o público com suas rimas e piadas, resultando no nascimento de seu personagem mais famoso.

A trama é simples, com uma narrativa linear e objetiva, seguindo a estrutura básica de qualquer biografia musical, indo do lixo ao luxo, destacando os momentos chave da carreira do protagonista, o que acaba sendo o ponto menos interessante do longa, considerando o artista que pretende explorar (talvez fosse melhor brincar um pouco com a estrutura da obra, ou até simplesmente inserir um narrador não confiável, sendo ele o próprio Moore, o que além de deixar a experiência mais original, abre possibilidade para explorar o passado e alguns aspectos da vida dele que não conhecemos). 

Dirigido por Craig Brewer, responsável pelo remake de Footloose, em 2011, um trabalho pouco criativo e beirando o cinismo, esse foi o único nome envolvido na produção de Meu Nome é Dolemite que realmente me preocupou. Felizmente, aqui ele parece estar se divertindo com os atores e a época na qual o filme é ambientado, com os carros antigos e as roupas coloridas e estilosas, um ótimo cuidado com a atenção da equipe de fotografia, figurino e maquiagem. Brewer é competente, mas o crédito por fazer o filme brilhar de verdade é de Eddie Murphy, que esteve há anos sem fazer uma comédia, sem contar que alguns dos seus papéis recentes não pareciam receber total empenho do ator. 

Murphy é um grande fã de Rudy Ray Moore e consegue capturar alguns de seus maneirismos perfeitamente, combinando sua própria risada com a do comediante de peruca e bengala falsa. Mas ele não se limita a isso e oferece uma das melhores atuações de sua carreira, interpretando Rudy como a figura vibrante e envolvente que era, e se tem alguém melhor que Murphy para representar alguém conhecido por ser engraçado, barulhento e sagaz em suas respostas, eu não conheço.

Chris Rock, T.I. e até Snoop Dogg tem uma participação pontual no longa, mas o elenco coadjuvante está cheio de nomes influenciados por Rudy e Murphy, como Craig Robinson, Keegan-Michael Key e Tituss Burgess. Nenhum deles chega a se destacar como Murphy mas parecem estar felizes por trabalhar em um projeto sobre pessoas que admiram. Talvez o único que chame a atenção tanto quanto o protagonista seja Wesley Snipes, outro ator retornando de projetos pouco interessantes, aqui interpretando D´Urville Martin, outra figura essencial para o cinema blaxploitation da década de 70, atuando em mais de quarenta filmes, o que chamou a atenção do verdadeiro Rudy, que o convidou para dirigir seu primeiro longa de Dolemite. Em Meu Nome é Dolemite algumas sequências hilárias envolvem as interações entre Martin e o resto do elenco, sem qualquer experiência com cinema, o que permite Snipes retratar seu personagem da maneira mais caricata possível, no bom sentido. 

O filme serve como uma carta de amor para o esforço de Rudy Ray Moore e Eddie Murphy, e mesmo que não haja um grande conflito ou drama pessoal por parte dos personagens, Meu Nome é Dolemite pode atrair um novo público procurando por algo exagerado, vulgar e cômico, e provavelmente vai agradar aqueles que já conhecem o personagem por conta das várias piadas referenciando outros projetos de Moore, como quando debate sobre os problemas de orçamento e decide “colocar o diabo em outro filme”, uma menção ao seu outro personagem extravagante, Petey Wheatstraw, um gângster ressuscitado pelo próprio príncipe das trevas com a condição de casar com a filha do inferno, a “mulher mais feia do mundo”. 

Dolemite foi um dos símbolos da comunidade negra no cinema, e mesmo que suas obras não sejam politicamente corretas, foi um dos poucos corajoso o suficiente para falar sobre temas como racismo, brutalidade policial e as condições dos subúrbios negligenciados pelo governo (“Dolemite para Presidente” nas paredes). Não à toa que o New York Times considerou o filme original de Dolemite, lançado em 1975, o “Cidadão Kane da blaxploitation“. E é difícil discordar quando lembramos que Rudy Ray Moore foi responsável por contratar um elenco negro e sem experiência, além de ajudar a financiar seu longa do próprio bolso. Irreverente, com certeza, mas sem sombra de dúvida, relevante e merece ser celebrado.

Meu Nome é Dolemite (Dolemite is My Name, 2019) — EUA, 2019
Direção: Craig Brewer
Roteiro: Scott Alexander, Larry Karaszewski
Elenco: Eddie Murphy, Craig Robinson, Wesley Snipes, Keegan-Michael Key, Tituss Burgess, Chris Rock, Da´Vine Joy Randolph
Duração: 117 min.

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