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Crítica | Mestres do Ar

Cheia de som e fúria, mas quase vazia de significado.

por Ritter Fan
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Pode parecer uma afirmação incongruente, mas Mestres do Ar é uma minissérie muito superior ao que provavelmente tinha chances de ser, mas, ao mesmo tempo, muito inferior ao que deveria ser. Entre esses dois polos opostos e aparentemente conflitantes em uma mesma frase que serão devidamente destrinchados ao longo da presente crítica, a produção acaba conseguindo chegar a alguns graus acima do meramente mediano e, inegavelmente, uma obra que vale o esforço de ser assistida seja pela história fascinante e aterradora do 100º Grupo de Bombardeio durante a Segunda Guerra Mundial, seja pelo design de produção irretocável. No entanto, não é algo que consiga chegar próximo de suas meia irmãs Band of Brothers e The Pacific, comparação inevitável em relação ao tema e pelos ilustres nomes de Steven Spielberg e Tom Hanks por trás dessa trilogia.

Independente dos incontáveis problemas que a produção teve desde que, ainda em 2012, ela começou a surgir em rumores pela indústria do entretenimento, sendo confirmada logo no ano seguinte pela HBO que, tempos depois, passou adiante a propriedade, levando a mudança de foco, de showrunners e ao afastamento quase que natural de Spielberg e Hanks que fez a série cozinhar em fogo baixo por muito tempo até ser adquirida pelo Apple TV+ como parte de seu muito bem sucedido esforço de criar uma (caríssima) biblioteca de produções próprias, a proposta e premissa do material fonte já era muito complexa para ser traduzida para o audiovisual. Afinal, como é explicado logo no início da minissérie, o 100º Grupo de Bombardeio da Força Aérea americana com base na Inglaterra, composta dos bombardeiros B-17, ou Fortaleza Voadora, cada um tripulado por dez soldados, foi um dos que mais sofreu baixas – o que lhe valeu a alcunha de Centésimo Sangrento -, em razão da natureza de suas missões, todas diurnas, de precisão, em uma época em que a Luftwaffe, por meio de seus Messerschmitts e Focke-Wulfs, ainda detinha o comando dos céus da Europa continental, o que imediatamente cria o desafio de como trabalhar o elenco e o desenvolvimento narrativo que se espera.

Para tentar criar uma estrutura fixa ao redor da qual tudo giraria, a produção faz uso da narração do navegador Harry Herbert Crosby (Anthony Boyle) – ou Croz – que começa como alguém que passa mal a cada vez que voa, quase um alívio cômico, e ganha desenvolvimento a partir desse ponto, além da dupla de amigos com apelidos quase iguais, Bucky e Buck, ou, respectivamente, os majores John Egan (Callum Turner) e Gale Cleven (Austin Butler). Os roteiros fazem ou, pelo menos, tentam fazer dessa trinca o alicerce de Mestres dos Ar, mas os acontecimentos reais que envolvem os três, especialmente os Bucks, impedem algo mais tecnicamente rigoroso e a minissérie acaba sendo muito mais um estranho híbrido de “missão da semana” com “eventos aleatórios na vida dos soldados”, sem que haja real construção e desenvolvimento de personalidades, algo que é amplificado pela saída abrupta – leia-se morte – de personagens e a consequente entrada de outros, como é o caso do major Robert “Rosie” Rosenthal (Nat Mann) que, em determinada altura, passa a ser o protagonista e, diga-se de passagem, um personagem consideravelmente mais interessante e bem construído que os demais.

Em outras palavras, a produção deveria ter escolhido um enfoque específico, seja ele o de episódios mais soltos ou o de narrativa única. Infelizmente, porém, ao justamente escolher as duas abordagens, com isso abraçando o mundo, nada realmente ganha desenvolvimento a contento, algo que é prejudicado sobremaneira por pulos temporais que privam o espectador de “promessas” feitas por meio da estrutura da própria série, seja a conexão forte que existe entre Buckie e Buck, ou as férias de Croz em Nova York, ou o retorno de Rosie para a base, ou até mesmo a Operação Overlord, dentre várias outras que não citarei para evitar spoilers. E não ajuda em nada que, completamente do nada, no penúltimo episódio, uma trinca de pilotos de caça P-51 do célebre esquadrão afro-americano Tuskegee seja introduzido, com apenas uma tênue e para lá de conveniente conexão com a narrativa principal.

Não seria errado afirmar que Mestre do Ar é uma sucessão de sequências narrativas que parecem muito mais amostras grátis de momentos grandiosos que nunca são efetivamente mostrados. Sim, especialmente nos primeiros episódios, há diversas fantásticas cenas de bombardeio da Europa continental pelos B-17s e elas merecem todo o louvor por sua qualidade técnica e pela capacidade que têm de fazer o espectador compreender pelo menos um pouco a escala de tudo o que é visto, e os sacrifícios que são feitos, mas mesmo elas não são mais do que tira-gostos em preparação a um prato principal que é vislumbrado, mas não é servido. Personagens que sobrevivem ao final do périplo são esquecidos completamente, assim como linhas narrativas são cortadas sem cerimônia, deixando aquele gosto amargo que indica que a minissérie faz pouco de muita coisa, deixando tudo apenas na superfície e trabalhando quase que burocraticamente para inserir menções marcantes ao que se espera de uma obra desse tipo, como campos de prisioneiros, o Holocausto e até mesmo os mencionados Tuskegees, mas justamente por falhar no aprofundamento, acaba criando uma imensa artificialidade.

A esperança que tenho é que, apesar de todos os pesares, Mestres do Ar faça enorme sucesso no cardápio do Apple TV+ de forma que o streamer sinta-se encorajado a encomendar spin-offs que mergulhem mais a fundo nos mais variados assuntos que a minissérie passa voando por cima. Seria uma maneira mais do que justa de se compensar a dificuldade que a produção passou para chegar às telinhas e ao resultado agridoce, nem lá, nem cá, que acabou tendo, ainda que certamente acima do que o complexo material fonte indicava, mas claramente abaixo do que suas irmãs de outro pai representaram.

Mestres do Ar (Masters of the Air – EUA, de 26 de janeiro a 15 de março de 2024)
Desenvolvimento: John Shiban, John Orloff (com base em livro de Donald L. Miller)
Direção: Cary Joji Fukunaga, Anna Boden, Ryan Fleck, Dee Rees, Tim Van Patten
Roteiro: John Orloff, Joel Anderson Thompson, Dee Rees
Elenco: Austin Butler, Callum Turner, Anthony Boyle, Barry Keoghan, Nikolai Kinski, Stephen Campbell Moore, Sawyer Spielberg, Isabel May, James Murray, Nate Mann, Kai Alexander, Laurie Davidson, Joanna Kulig, Louis Hofmann, Jamie Parker, Bel Powley, Sam Hazeldine, Josiah Cross, Branden Cook, Ncuti Gatwa, Jerry MacKinnon, Josh Dylan
Duração: 508 min. (nove episódios)

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